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30.1.09

Green dress


(Self-portrait by a goddess)

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O melhor de sempre


Um anúncio para cinema da marca Agente Provocateur, de 2001, foi considerado o melhor de sempre a passar nas salas britânicas. Kylie Minogue monta um touro mecânico de veludo vermelho e veste apenas a lingerie da Agent Provocateur. Não há espaço para a dúvida infantil: stand up, gentlemen!

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29.1.09

Passeio Público

(Cuidados paliativos)

A crise habita-nos, é difícil escapar-lhe, e até comemorar um outro assunto que mereça uma reflexão demorada e dois ou três parágrafos excitados. Abriam os telejornais ainda ontem (ou anteontem) com uma pulhice, de uma sordidez indescritível; nem sequer abriam com o empate do Benfica, mas com o despedimento de 70.000 (setenta mil!) pessoas num único dia, nos Estados Unidos e na Europa.

Coimbra também não escapa ao turbilhão da crise económica mundial. Empresas como a Ceres ou a Real Cerâmica, vertidas em áreas de actividade que se encontram em franca recessão, limitam-se, por enquanto, a sobreviver parca e miseravelmente, tendo como horizonte possível o negrume da insolvência. Mais estranho, de resto, é o caso da Unidade de Saúde de Coimbra (USC), preparada para falir e cuspir para o desemprego cerca de 100 trabalhadores.

Afinal, e aludo ao próprio site da USC, trata-se de uma unidade de saúde vocacionada para a prestação de cuidados continuados e especializados, destinados a pessoas com doença crónica prolongada e/ou incapacitante, com dependência física e funcional ou em risco de perda de autonomia, com uma forte componente de Medicina Física e de Reabilitação.” Logo, uma mina.

A USC foi a primeira unidade do país dedicada aos cuidados continuados, paliativos e ambulatório. Portugal é um país envelhecido e a saúde vem sempre em primeiro lugar. Não se entende, portanto, a situação hesitante da USC. Percebe-se o desconcerto de António Moreira, o coordenador da União dos Sindicatos de Coimbra: “é talvez caso único haver uma unidade de saúde em situação de insolvência". Uma unidade de saúde!, original e revolucionária, modelar: em queda. Arrasada.

A crise habita-nos, coloniza-nos, e fede (impõe a náusea); um dia como o de ontem, ou anteontem, não é apenas um “dia”, é antes de mais, convém não esquecê-lo, o início de uma escala sinistra de “dias” nevoentos. Nem ao menos se avista uma língua de terra firme. Mas talvez isso nem interesse assim tanto: o que importa não é que haja gente esfomeada; afinal, muita gente ainda tem alguma coisa para comer. O António Lobo Antunes condensou bem o desânimo incomensurável da solidariedade.

Perco de vez a confiança na economia, e até em Hermann Broch, o escritor austríaco: “é talvez necessário descer incessantemente às chamas do renascimento”. Estamos fartos de chamas, de destruição, de recomeços inúteis.
(Ontem, 28/01, no Jornal de Notícias)

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28.1.09

Seu Fabrício


Espero que te vás embora, não gosto de te ver a lavar roupa e a minha intimidade; parece pouco mas, nas tuas mãos, umas simples cuecas, ou mesmo uma camisa esborratada na gola, desvelam os meus segredos, violam o meu império pudente - e de resto a minha vida resume-se ao oculto e ao embaraço privado. Não tenho a coragem de te olhar de frente (ontem vi o Onegin a olhar de frente o Lensky morto) enquanto franqueias livremente esses muros concentracionários que sonegam tanto os meus encantos como as minhas fragilidades. É um desvio, apenas, esta espera - mas está frio, aqui fora. Não devia ter deixado no cesto, para lavares, o meu aconselhado casaco azul de lã.

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27.1.09

Só me faltava mais esta

Actividade sexual e masturbação intensas associadas ao risco de cancro da próstata. Perante a aridez dos factos científicos, talvez seja mais seguro adoptar, sem ademanes de puta entristecida, os sábios conselhos do Henrique: «Em prol da vossa saúde, optai pela abstinência. Bebei vinho.» Tinto, acrescento eu, parece que faz muito bem ao sangue e aos nervos.

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26.1.09

The Special One

23.1.09

Estéticas da Morte #quarenta e nove

As raízes já crescem nos teus olhos. À mesa, no teu lugar, uma velha fotografia que te tirei em Q..., amarelecida pela sucessão entediada dos verões e pelos olhares piedosos das tias. Já me disseram que a fotografia não te faz justiça, e não faz. Uma reprodução silenciosa de uma rapariga risonha e despreocupada - até bonita - não apaga o mal que fizeste a tanta gente, a dor que me causaste, sobretudo. Ainda bem que morreste cedo, cheia de viço e saúde. Uma bala, mesmo desajeitada, costuma ser mais forte que uma excelente pele.
(1)(2)(3)(4)(5)(6)(7)(8)(9)(10)(11)(12)(13)(14)(15)(16)(17)(18)(19)(20)(21)(22)(23)(24)(25)(26)(27)(28)(29)(30)(31)(32)(33)(34)(35)(36)(37)(38)(39)(40)(41)(42)(43)(44)(45)(46)(47)(48)

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22.1.09

Este cão

Nega o sangue do sangue, a sua fluidez
cuidada, o gorgolejo ínfimo
das mãos. Este cão acintoso
podia ser o Job traído, aliado
omnisciente da divindade
esquecida de si mesma, ou
mesmo o próprio deus orgulhoso,
não fosse uma pulga anafada
que o reprime para além das
lágrimas - desengano tão humano,
por sinal. Ouço nos seus olhos
a suposição da morte
e fendo lentamente o gatilho.

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Passeio Público

(Falta de visão)

O facto não é teológico: ao sétimo ano, o “Coimbra em Blues” descansa. Assim mesmo. Depois de seis edições, o Festival que translada a melancolia ferida do Mississípi para a placitude do Mondego não se vai realizar. A decisão é irreversível e já foi confirmada pelo director artístico do Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV), Francisco Paz. Quanto a este ano, estamos conversados; para o próximo, logo se verá.

Consta que o Festival é “a menina dos olhos” do TAGV. Dois mil e nove será, portanto, um “ano cego” no Teatro Académico. De resto, a “falta de visão” parece não ser descalabro recente. O “Coimbra em Blues” tem “projecção nacional e internacional” e não se realiza, de acordo com Francisco Paz, por falta de apoio da Direcção-Regional de Cultura do Centro (DRCC). Contudo, o auxílio da DRCC foi assumido, desde o início, como “temporário” e “provisional”; o que sugere, aliás, a inexistência de uma visão estratégica a longo prazo para o Festival.

Qualquer observador imparcial percebe que a consolidação de parcerias institucionais seria a pendência a resolver desde o princípio – uma crítica que se adivinha nas declarações do director regional de Cultura do Centro, António Pedro Pita, que admite a existência de “falhas” em todo o processo.

Já se sabe: é o dinheiro, e não uma qualquer lei da Física, que faz mover a terra. Acresça-se ao vil metal alguma vontade - e tudo aparecerá feito (ou: talvez não). Infelizmente, a vontade não desvia montanhas e a falta dela ainda menos. Paulo Furtado, o director artístico do “Coimbra em Blues” afirma-o, em letra de lei: a interrupção do Festival deve-se, não à falta de apoios, mas à falta de vontade da direcção do TAGV. Eu gosto de acreditar em alguém que toca 3 ou 4 instrumentos em simultâneo – e que conhece, como ninguém, os furtivos meandros do Festival.

Não há esplendor que perdure nesta cidade. Recordo os “Encontros de Fotografia”, mortos e enterrados, e todo o filistinismo da cidade. Regressamos aos mesmos caminhos e voltamos a errá-los.
(Ontem, 21/01, no Jornal de Notícias)

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21.1.09

Carlitos Darwin: o darwinista relutante #2


Como nos tornámos humanos?
Ciclo de Conferências DARWIN: No Caminho da Evolução
21/01/2009, 18h00, Auditório 2
Eugénia Cunha - Universidade de Coimbra

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20.1.09

Um dia para a história


Honra seja àqueles que na sua vida
definiram e guardam uma Termópilas.
Sem mover-se do seu dever constantes;
justos e rectos em todos os seus actos,
contudo com dó e compaixão;
dadivosos quando são ricos, e quando
são pobres, também modicamente dadivosos,
também auxiliando quando puderem;
sempre da verdade afirmantes,
porém sem ódio para os fementidos.

E ainda mais honra lhes seja devida
quando prevêem (e muitos prevêem)
que Efialtès surgirá no fim,
e os medas finalmente passarão.
(Konstandinos Kavafis, Os poemas, pág. 215)

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19.1.09

A.


Repara que te observo em transparência descuidada. Vejo: um filamento de ouro, a silhueta perfeita, a catódica imensidão do amor.

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Lenços de papel

O jornal parece um cemitério
gigante, de palavras mortas
e desejos caídos nessa derradeira
noite. Há ali uma
espécie de suicídio, e aquelas
homílias fúnebres (que apreendem
o porvir inexistente) são como
o cutelo gritante no grito
sanguíneo do corpo.

Na sedução melancólica
das páginas, os dedos contam
a Babel metódica dos beijos
e os nossos olhos levam ao fim
o desejo.

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17.1.09

Num 'guento 'tar tanto tempo longe d' ti

Não sei que mar é este, nem que navios encalham nas / suas praias. Sento-me na sua margem. Espero-te.
(Nuno Júdice, Cartografia de emoções, pág. 111)

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16.1.09

Navio sem fantasmas


Guardei-me e venci a estranheza, o ocaso matinal da escuridão. Só depois: o teu corpo adiado nas dobras do lençol, aquela primeira viagem.

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Italian Music #eight

Why? - The Hollows

(Those gypsies probably got knives)

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15.1.09

Passeio Público

(Estudar custa)

No momento em que Vítor Constâncio anunciou que a economia do país se encontra oficialmente em recessão, os portugueses começaram a preocupar-se, também oficialmente, com a crise. Afinal, ainda no passado mês de Dezembro, as vendas da BMW tocaram luas nunca antes visitadas pelos humanos deste magnífico país. A crise parece começar só agora, depois da confirmação médico-legal do presidente do Banco de Portugal – de resto, a pulsão escapista do novo-riquismo luso talvez nem admita que se mencione a “crise”, e muito menos que alguém a tome como um facto consumado.

(Ou muito me engano, ou Portugal passou directamente do neolítico para a pós-modernidade, da enxada forçada para o telemóvel diletante.)

De resto, a população encontra-se atolada numa crise que não deve nada a decretos oficiais nem a consumismos fátuos. Para muitas famílias, a economia doméstica atingiu o limiar da desagregação, e o horizonte parece não desanuviar. As contas familiares preferem a adição à subtracção – e, para além dos gastos supérfluos, existem as facturas inescapáveis, como as da luz e da água.

Um estudante da Universidade de Coimbra (UC), por exemplo, gasta mais de 5.000 euros por ano (cerca de 600 euros/mês), de acordo com um estudo solicitado pela Associação Académica (AAC). Não é difícil fazer as contas e concluir, como o presidente da AAC, André Oliveira, que ser estudante “não é para todos”. Bastar-nos-á considerar os salários médios dos portugueses para depreendermos que muitas famílias não têm capacidade para ter um ou mais filhos a estudar na universidade.

A pesquisa recentemente divulgada revela que o “estudante-tipo” da UC não é de Coimbra – sendo “obrigado”, portanto, a arrendar um quarto ou um apartamento. Os gastos com a habitação e as propinas são, de resto, os que mais exageram o débito estudantil. Mas há outras despesas, nada despiciendas: a alimentação, os livros e fotocópias, os transportes… Um buraco sem fundo, e dias pesados.

Este estudo mostra, também, que a maioria dos estudantes usa viatura própria na deslocação para as aulas. Expressão enevoada. Isto leva-me de volta aos recordes da BMW e à alma tacanha deste país.
(Ontem, 14/01, no Jornal de Notícias)

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14.1.09

Lucas 23:43

-Mas repare - interveio John Bankes com nervosismo - não nos podemos esquecer que ele era um ladrão declarado.
-Claro, e só um homem como ele é que um dia ouviu a promessa :«Esta noite estarás comigo no Paraíso.»
(G.K. Chesterton, Father Brown stories)

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13.1.09

Carlitos Darwin: o darwinista relutante #1


2009. 200 anos depois, 12 de Fevereiro. 150 anos depois, 24 de Novembro. Charles Darwin. Menino rico, esbanjador. Às vezes cientista. Isto foi o início. Depois veio a viagem, o terramoto e as Galápagos; dois livros fulcrais e nenhum deles era a Bíblia. Uma família em crescendo geométrico (a invectivar Malthus?). As doenças, o estatuto como geólogo. Depois como biólogo, graças às insignificantes cracas. Sabiam que o seu livro mais lido, isto é, enquanto ainda vivia, foi Earthworms e não a Origem? Que lhe morreu a filha mais querida? Que ele via na própria pele - nas suas próprias alergias e dores de estômago - e na dos filhos a acção da selecção natural? Teve amigos, bons amigos. Que concordaram com ele, que eram mais darwinistas que Darwin. Excepto o velho Lyell. Esse morreu e foi para o céu. Um dia recebeu uma carta de Wallace, o outro, que ninguém ou quase ninguém conhece, mas que, vindo de baixo (não era rico nem esbanjador: a mostrar que não é o social que influencia definitivamente a produção científica), concatenou ideias e chegou ao mesmo resultado que o Carlitos. Só que este tinha receio, mais por Emma que por si, e foi resguardando as palavras heréticas, pelo menos 20 anos se passaram entre essas primeiras letras demoníacas e a carta de Alfred Russel Wallace, que espoletou a célebre conferência da Geological Society. Em que os dois, em jargão críptico, disseram que não, que não havia mão de Deus sobre as criaturas, que era tudo obra do acaso e do tempo. Wallace afastou-se, tornou-se místico. Darwin continuou, sempre.

Humanos?
Qual a diferença,
a ínfima dobra,
que faz a diferença?
(Luís Quintais, Mais espesso que a água, pág. 101)

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100 anos de paixão: só eu sei porque não fico em casa #54


Parabéns ao «nosso menino»!

(Isto é lindo e é verdade, escrito pelo Fernando, aqui: Pêsames, sim. Mas pêsames porque neste país não deixa de haver quem se ache superior porque é culto e não tem de dar pontapés na bola.Quero lá saber das gajas que ele colecciona (é novo, tem as hormonas aos pulos, quer foder, deixá-lo...) Quero lá saber dos diamantes e das casas (nunca teve nada, agora tem tudo, que aproveite...) E a família parola e sem cultura foi quem o ajudou a ultrapassar as dificuldades e os problemas que teve.Estou neste momento a ver a repetição dos Prós e Contras na RTPN e a história que o Laurentino Dias contou sobre a visita que fez com o Ronaldo a Timor, deixou-me sem palavras. Devia ser do conhecimento público para calar aqueles que só conseguem ver boçalidade no rapaz e mais nada. Triste país de merda, de invejosos, arrogantes e cagões, que se julgam superiores aos que não tiveram a sorte de nascer em berço dourado com direito a educação e a uma vida sem sobressaltos.)

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12.1.09

Estéticas da Morte #quarenta e oito

Morri na praia. Não como as ondas e menos ainda como um tal de Gustav von Aschenbach, cuja história de má sorte (e maus instintos) podemos adivinhar nas poucas páginas de A morte em Veneza. Lembro-me (claramente, apesar da escuridão desta cova) que uns segundos antes de cair para o lado, e para nunca mais me levantar, pensei: ena, sinto-me tão bem! Foi então que senti uma pancada na nuca. Julguei que era um efeito secundário da felicidade que então me apoquentava. Agora, mais calmo, imagino que alguém me quis adormecer temporariamente, com o malévolo intuito de me extorquir a carteira. Tenho pena, a arte de furtar ainda hoje nega as graças de uma boa formação profissional. Aquela pancada matou-me e, pior que isso, deixou mal vista toda a classe dos ladrões.
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9.1.09

Um país

Este país, é possível que já se tenham apercebido disso, passou directamente do neolítico para a pós-modernidade*. Nos anos 80, quando a agricultura ainda empregava quase metade da população activa (possivelmente estou a exagerar, mas não levem a mal a minha ignorância), a televisão publicitava um filho ilustre da ciência e da técnica, o Rubigan 12, panaceia química para todo o tipo de pragas agrícolas, incluíndo o míldio, o oídio e os gafanhotos bíblicos. Estávamos ainda, suponho, no úbere período neolítico. Actualmente, a agricultura portuguesa, e de acordo com os oficiais dados do INE, já não existe (esqueçamos, for the sake of the argument, o vinho, o azeite e os porcos alentejanos). O Rubigan 12 já não tem honras de canal um e a agricultura desapareceu da televisão - se exceptuarmos as vacas que aparecem a partir da meia-noite e que podem ser adquiridas, mediante bom preço**, para consolada apreciação no display do telemóvel. Portugal, um país pós-moderno: eis uma boa punchline para vender esta terra maravilhosa no estrangeiro.
**3€ todas as semanas.

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8.1.09

Passeio Público

(Sombrio vai)

O ano ainda mal começou e já exorbita futuros traçados a negro. Quem tem a certeza de alguma coisa neste baldio de choro, sabe que o ano de 2009 vai ser péssimo, o ano da desgraça e não da graça. Nada de novo, portanto. O sol que nos alumia ainda é o mesmo – e não se prevê que isso mude de um dia para o outro.

É extraordinário, de resto, tentar atribuir uma causa unívoca ao mundo infindo da crise que se avizinha, ou melhor, que há muitos anos nos flagela, insone mas discreta. Tal aspiração, suponho, não é possível ou mesmo desejável: constitui, de resto, apenas uma mistificação do que acontece realmente sob este gigantesco lamaçal de mentiras. A prerrogativa das culpas acha-se num universo de potencialidades desmesuradas. O resto é macacada, ou uma hábil manobra de diversão.

Esquecidas as culpas, sobra o que nos dói no corpo. E a mágoa é (e será) muita. A pior das dores (do inventário possível, isentamos a morte, a doença e outras proezas quejandas, que nada devem à crise económica) é, sem dúvida, o desemprego.

É coisa vista e bem conhecida no distrito de Coimbra, por exemplo. Eis os números arredondados (e actualizados) de um sorumbático cenário: 16.100 trabalhadores desempregados, 915 com salários em atraso, 1.230 com o emprego ameaçado. Este ano mal nascido, já se vê, promete paisagens ainda mais sombrias. A Ceres, a EMEF, a TEX e a Real Cerâmica enformam, nesta versão do Juízo Final, os pecadores com expectativas mesquinhas de salvação.

Isto dito, sobram as ideias toscas para fazer frente às ameaças mais prementes e opulentas: redução dos turnos de trabalho, não renovação dos contratos e “downsizing”. Pérolas de criatividade do argumentário economicista. Este ano, Coimbra tem tudo a perder: sem um projecto estrutural de emprego, sem uma política autárquica que a defenda, sem um vislumbre de alívio ou de esperança.

Lúgubres são as pinceladas da crise e, como num desolado tríptico de Bosch, a impotência e o pesadelo compõem o motivo apocalíptico. É ainda possível forçar um sorriso mas isso, convenhamos, é sempre um acto desesperado – e o desespero é apenas um imenso vazio. E, também, um colossal patife, um sombrio nada. Uma promessa nunca cumprida, reparada em aflições e lágrimas.
(Ontem, 07/01, no Jornal de Notícias)

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6.1.09

Estéticas da Morte #quarenta e sete

Desde o início da guerra, sobretudo após a rebelião do Outono de 1793, que muitos médicos e cirurgiões se haviam juntado ao bom exército da República. De entre esses magníficos homens, destacou-se Jean de Saint-Éloi, um dos mais respeitados, e perigosos, charlatães da pátria, e de resto um péssimo clínico. Os homens, os belos rapagões de Arzal, Nantes ou Mauriac, temiam-no mais que ao «Brown Bess» - mas, e ninguém me convence do contrário, não era caso para tanto: o mosquete inglês é, apesar de tudo, uma arma falível, e os soldados que o manejavam, les pauvres, uns desgraçados bêbedos de vista grossa. É claro que eu conheço os números, e de cor, como compete a um distinto membro do «Comité de Salut Public», e Saint-Éloi era capaz de deixar morrer até um soldado com uma unha encravada. Valha-nos, a mim e à França, essa consolação póstuma: o nosso querido cônsul foi derrotado, não pelo sabre de Wellington, mas pelos inábeis bisturis de Jean de Saint-Éloi.
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O inverso do reverso e et coetera


(É mais fácil lê-los quando são feios)

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Heterossexismo patriarcal e et coetera


(É mais fácil lê-las quando são bonitas)

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5.1.09

Estéticas da Morte #quarenta e seis

Dele, não é preciso dizer tudo: um pássaro à procura da gaiola. O resto da história adivinha-se facilmente. Uma mão, direita e algo peluda, uma pistola, daquelas cromadas e grandes, e duas balas (mas apenas uma foi a culpada da morte de um homem), ogivais e de chumbo, aceitaram o seu destino. Só a mão cumpre actualmente pena de prisão.
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Em 2008

O ano de 2008 foi muito bom, as leituras também. Eis os livros que li (ou reli) e que não têm muito a ver com o meu trabalho. Levam a pessoalíssima (muitíssimo discutível) classificação:
* Satisfatório
** Bom
*** Muito Bom
**** Excelente
***** Genial
B.D.
Andy Riley. D.I.Y. Dentistry***
Brian K. Vaughn. Y. The last man. Vol.5: The ring of truth****
Comès. A árvore-coração****
Jason. I killed Adolf Hitler*****
Jean-Michel Charlier e Jean Giraud. Apaches***
Jean-Michel Charlier e Jean Giraud. Chihuahua Pearl***
Jean-Michel Charlier e Jean Giraud. O homem que valia 500.000$***
Jean-Michel Charlier e Jean Giraud. Balada para um caixão***
Jean-Michel Charlier e Jean Giraud. Angel face****
Jean-Michel Charlier e Jean Giraud. Nariz partido***
Jean-Michel Charlier e Jean Giraud. A longa marcha****
Jean-Michel Charlier e Jean Giraud. A tribo fantasma***
Jean-Michel Charlier e Jean Giraud. A última cartada****
Jean-Michel Charlier e Jean Giraud. O fim da pista****
Garth Ennis e Colin Wilson. Battler Britton***
Regina Pessoa. História trágica com final feliz**
Roman Dirge. Lenore 1****
Romance/Conto
Albert Camus. A queda****
Anton Tchékov. A minha mulher**
Augusto Monterroso. A ovelha negra e outras histórias****
Carlos de Oliveira. Finisterra****
Evelyn Waugh. O ente querido****
Franz Kafka. Aforismos***
G.K. Chesterton. O clube dos negócios estranhos*****
G.K. Chesterton. O segredo do Padre Brown****
Gonçalo M. Tavares. A máquina de Joseph Walser****
Gonçalo M. Tavares. O senhor Walser**
Gonçalo M. Tavares. O senhor Calvino***
Gonçalo M. Tavares. Aprender a rezar na era da técnica****
Graham Greene. O terceiro homem***
Henrique Fialho. Estórias domésticas****
Hermann Broch. A morte de Virgílio vol.1****
Honoré de Balzac. O último adeus**
Ivan Turguenév. O primeiro amor***
J.G. Ballard. Kingdom come****
J.G. Ballard. As vozes do tempo**
J.M.G. Le Clézio. Estrela errante***
John Banville. The sea****
Jonathan Littell. As benevolentes*****
José Cardoso Pires. Lavagante: Encontro desabitado***
José Vilhena. Branca de Neve e os 700 anões****
José Vilhena. Os palitos***
Kingsley Amis. Gosto disto aqui***
Lev Tolstoi. A morte de Ivan Ilitch*****
Lev Tolstoi. Khadji-Murat****
Luiz Pacheco. Uma admirável droga*
Luiz Pacheco. O libertino passeia por Braga**
Manuel António Pina. Os papéis de K***
Manuel Jorge Marmelo. O profundo silêncio das manhãs de Domingo**
Manuel Jorge Marmelo. Aonde o vento me levar***
Mark Haddon. O estranho caso do cão morto***
Miguel Esteves Cardoso. Cemitério de raparigas***
Nicolai Gogol. Almas mortas*****
Oscar Wilde. O crime de Lord Arthur Saville/A esfinge com segredos****
Robert Walser. Histórias de amor****
Rubem Fonseca. Romance negro e outras histórias****
Rubem Fonseca. Ela e outras histórias****
Rui Costa e André Sebastião (orgs.). Primeira antologia de micro-ficção portuguesa****
Rui Manuel Amaral. Caravana****
Stendhal. Crónicas italianas*****
Tim Burton. The melancholy death of oyster boy and other stories***
Poesia/Crónica/Diário/Teatro
A.M. Pires Cabral. As têmporas da cinza****
Amadeu Baptista. Sobre as imagens****
Amadeu Baptista. O bosque cintilante****
Amadeu Baptista. Outros domínios****
António Ramos Rosa. Horizonte a ocidente**
Anton Tchekov. O tio Vânia****
Dinis Machado. Gráfico de vendas com orquídeas***
Friedrich Schiller e Frederico Lourenço. Don Carlos*****
Frederico Lourenço. Valsas nobres e sentimentais***
João Rasteiro. O búzio de Istambul****
Laura Ferreira dos Santos. Diário de uma mulher católica a caminho da descrença Vol. 2***
Luís Quintais. Verso antigo****
Luís Quintais. Mais espesso do que a água****
Miguel Esteves Cardoso. Em Portugal não se come mal*****
Paula Tavares. Ex-votos****
Pedro Mexia. Em memória****
Pedro Mexia. Nada de melancolia****
Oscar Wilde. O declínio da mentira****
Yvette K. Centeno. A Oriente***

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4.1.09

Passeio Público

(Um ano igual)

Ainda é cedo. Os balanços de 2008, a serem feitos e inscritos em letra redonda, deverão sê-lo apenas no final do próximo ano. Ou: deita-se já uma pedra sobre o assunto. Afogamos o ano, e as suas mágoas, numa longa cauda de imarcescíveis sorrisos.

Afinal, o que muda durante tão pouco tempo? Nada – ou ainda menos que isso. O desalento alinha-se num anel de fogo, as suas (terríveis) consequências revelam uma sombra impossível na escuridão.

É cedo, ainda. As coisas não tiveram tempo de se modificar; as palavras são, portanto, desnecessárias. Deixemos que o naufrágio seja mais convincente. Nesse momento, as locuções da náusea far-se-ão ouvir, intempestivas e rancorosas.

Caminho por frases envelhecidas, como se fossem as ruas da cidade, e sinto que o fim do ano de 2008 é apenas uma data para cumprir calendário. Coimbra detém-se nas horas, igual ao que foi, revoluteando na hesitação da paralisia.

Tudo o que foi dito antes sobre a cidade pode voltar a ser escrito – nada mudou, os problemas continuam os mesmos. O orçamento para a Cultura, ansioso por seguir as proclividades da moda, adelgaça-se um pouco mais. A cidade universitária (do conhecimento, do saber e da cultura) é, cada vez mais, uma ilusão de papel, enjeitada pelo filistinismo do executivo camarário.
O Metro Ligeiro de Superfície resvala mansamente da ociosidade dos projectos para as agruras da realidade. O estádio Finibanco e a Académica/OAF libertam-se da TBZ – mas a que preço? Na Baixa de Coimbra, contesta-se a ecologia da insegurança com videovigilância e pouco policiamento. As necessidades de habitação social crescem excessivamente, seguindo a triste cadência da crise económica. O emprego no sector público cresce, mas apenas para os filhos dos amigos.

O retrato do ano de 2008 não é bonito. Mas, pelo menos em Coimbra, não é muito diferente da imagem que componho, a posteriori, dos anos de 2006 ou de 2007. É possível fazer melhor? Eu julgo que sim, não é complicado. Difícil mesmo é fazer pior do que se tem feito.
(Quarta-feira, 31/12/2008, no Jornal de Notícias)

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Outro corpo nosso

Começa. (Recomeça?). Não sei bem o que dizer mas tenho pensado nisto: o mundo não é perfeito e as mulheres muito menos (excepto, sim, excepto); é conveniente, portanto, deslumbrar-lhes as vontades, encomendar-lhes a alma toda, dar-lhes com o corpo todo, o prazer é delas, primeiro, e depois (não hesito: depois), nosso. Elas vão querer sempre mais. E nós, expectantes, confiados apenas na incerteza do porvir, também. Vou casar (com ela). Começo o ano, e isto aqui do blog, com confidências e coisas minhas. A ver se não abuso.

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