Passeio Público
(Estudar custa)
No momento em que Vítor Constâncio anunciou que a economia do país se encontra oficialmente em recessão, os portugueses começaram a preocupar-se, também oficialmente, com a crise. Afinal, ainda no passado mês de Dezembro, as vendas da BMW tocaram luas nunca antes visitadas pelos humanos deste magnífico país. A crise parece começar só agora, depois da confirmação médico-legal do presidente do Banco de Portugal – de resto, a pulsão escapista do novo-riquismo luso talvez nem admita que se mencione a “crise”, e muito menos que alguém a tome como um facto consumado.
(Ou muito me engano, ou Portugal passou directamente do neolítico para a pós-modernidade, da enxada forçada para o telemóvel diletante.)
De resto, a população encontra-se atolada numa crise que não deve nada a decretos oficiais nem a consumismos fátuos. Para muitas famílias, a economia doméstica atingiu o limiar da desagregação, e o horizonte parece não desanuviar. As contas familiares preferem a adição à subtracção – e, para além dos gastos supérfluos, existem as facturas inescapáveis, como as da luz e da água.
Um estudante da Universidade de Coimbra (UC), por exemplo, gasta mais de 5.000 euros por ano (cerca de 600 euros/mês), de acordo com um estudo solicitado pela Associação Académica (AAC). Não é difícil fazer as contas e concluir, como o presidente da AAC, André Oliveira, que ser estudante “não é para todos”. Bastar-nos-á considerar os salários médios dos portugueses para depreendermos que muitas famílias não têm capacidade para ter um ou mais filhos a estudar na universidade.
A pesquisa recentemente divulgada revela que o “estudante-tipo” da UC não é de Coimbra – sendo “obrigado”, portanto, a arrendar um quarto ou um apartamento. Os gastos com a habitação e as propinas são, de resto, os que mais exageram o débito estudantil. Mas há outras despesas, nada despiciendas: a alimentação, os livros e fotocópias, os transportes… Um buraco sem fundo, e dias pesados.
Este estudo mostra, também, que a maioria dos estudantes usa viatura própria na deslocação para as aulas. Expressão enevoada. Isto leva-me de volta aos recordes da BMW e à alma tacanha deste país.
(Ontem, 14/01, no Jornal de Notícias)
<< Home