Passeio Público
(Sombrio vai)
O ano ainda mal começou e já exorbita futuros traçados a negro. Quem tem a certeza de alguma coisa neste baldio de choro, sabe que o ano de 2009 vai ser péssimo, o ano da desgraça e não da graça. Nada de novo, portanto. O sol que nos alumia ainda é o mesmo – e não se prevê que isso mude de um dia para o outro.
É extraordinário, de resto, tentar atribuir uma causa unívoca ao mundo infindo da crise que se avizinha, ou melhor, que há muitos anos nos flagela, insone mas discreta. Tal aspiração, suponho, não é possível ou mesmo desejável: constitui, de resto, apenas uma mistificação do que acontece realmente sob este gigantesco lamaçal de mentiras. A prerrogativa das culpas acha-se num universo de potencialidades desmesuradas. O resto é macacada, ou uma hábil manobra de diversão.
Esquecidas as culpas, sobra o que nos dói no corpo. E a mágoa é (e será) muita. A pior das dores (do inventário possível, isentamos a morte, a doença e outras proezas quejandas, que nada devem à crise económica) é, sem dúvida, o desemprego.
É coisa vista e bem conhecida no distrito de Coimbra, por exemplo. Eis os números arredondados (e actualizados) de um sorumbático cenário: 16.100 trabalhadores desempregados, 915 com salários em atraso, 1.230 com o emprego ameaçado. Este ano mal nascido, já se vê, promete paisagens ainda mais sombrias. A Ceres, a EMEF, a TEX e a Real Cerâmica enformam, nesta versão do Juízo Final, os pecadores com expectativas mesquinhas de salvação.
Isto dito, sobram as ideias toscas para fazer frente às ameaças mais prementes e opulentas: redução dos turnos de trabalho, não renovação dos contratos e “downsizing”. Pérolas de criatividade do argumentário economicista. Este ano, Coimbra tem tudo a perder: sem um projecto estrutural de emprego, sem uma política autárquica que a defenda, sem um vislumbre de alívio ou de esperança.
Lúgubres são as pinceladas da crise e, como num desolado tríptico de Bosch, a impotência e o pesadelo compõem o motivo apocalíptico. É ainda possível forçar um sorriso mas isso, convenhamos, é sempre um acto desesperado – e o desespero é apenas um imenso vazio. E, também, um colossal patife, um sombrio nada. Uma promessa nunca cumprida, reparada em aflições e lágrimas.
(Ontem, 07/01, no Jornal de Notícias)
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