Passeio Público
(Um ano igual)
Ainda é cedo. Os balanços de 2008, a serem feitos e inscritos em letra redonda, deverão sê-lo apenas no final do próximo ano. Ou: deita-se já uma pedra sobre o assunto. Afogamos o ano, e as suas mágoas, numa longa cauda de imarcescíveis sorrisos.
Afinal, o que muda durante tão pouco tempo? Nada – ou ainda menos que isso. O desalento alinha-se num anel de fogo, as suas (terríveis) consequências revelam uma sombra impossível na escuridão.
É cedo, ainda. As coisas não tiveram tempo de se modificar; as palavras são, portanto, desnecessárias. Deixemos que o naufrágio seja mais convincente. Nesse momento, as locuções da náusea far-se-ão ouvir, intempestivas e rancorosas.
Caminho por frases envelhecidas, como se fossem as ruas da cidade, e sinto que o fim do ano de 2008 é apenas uma data para cumprir calendário. Coimbra detém-se nas horas, igual ao que foi, revoluteando na hesitação da paralisia.
Tudo o que foi dito antes sobre a cidade pode voltar a ser escrito – nada mudou, os problemas continuam os mesmos. O orçamento para a Cultura, ansioso por seguir as proclividades da moda, adelgaça-se um pouco mais. A cidade universitária (do conhecimento, do saber e da cultura) é, cada vez mais, uma ilusão de papel, enjeitada pelo filistinismo do executivo camarário.
O Metro Ligeiro de Superfície resvala mansamente da ociosidade dos projectos para as agruras da realidade. O estádio Finibanco e a Académica/OAF libertam-se da TBZ – mas a que preço? Na Baixa de Coimbra, contesta-se a ecologia da insegurança com videovigilância e pouco policiamento. As necessidades de habitação social crescem excessivamente, seguindo a triste cadência da crise económica. O emprego no sector público cresce, mas apenas para os filhos dos amigos.
O retrato do ano de 2008 não é bonito. Mas, pelo menos em Coimbra, não é muito diferente da imagem que componho, a posteriori, dos anos de 2006 ou de 2007. É possível fazer melhor? Eu julgo que sim, não é complicado. Difícil mesmo é fazer pior do que se tem feito.
(Quarta-feira, 31/12/2008, no Jornal de Notícias)
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