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2.4.11

Passeio Público

(Mea culpa)

É fácil julgar o passado com a vantagem do tempo. E, por vezes, é injusto. No entanto, a atribuição do doutoramento “honoris causa” ao ex-presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra parece ser um bom momento para ajustar contas com o passado do galardão – sem ressentimentos ou desejos espúrios de desforra. O pretérito deslustroso consubstancia-se num nome: Francisco Franco Bahamonde.

Os agraciados com o doutoramento “honoris causa” pela Universidade de Coimbra são muitos, representando várias sensibilidades culturais, religiosas e políticas. Mas nenhum nome na lista de galardoados me causa tanta repulsa como o do caudilho espanhol. Os crimes que Franco cometeu (ou que foram directamente inspirados por ele e pela sua ideologia) foram tantos que nem vale a pena tentar enumerá-los – para uma noção grosseira indaguem-se porventura os livros de história e a wikipédia. Basta referir, como exemplo, que o ditador espanhol mandou executar mil vezes mais pessoas que Benito Mussolini, indubitavelmente um crápula da pior espécie.

O reconhecimento – em ritmo de mea culpa – de que existem nomes “errados” na lista de doutoramentos “honoris causa” pela Universidade de Coimbra não implica uma rasura a posteriori desses nomes; não se deseja a censura indigna de quem mutila as palavras de autores mortos, ou reescreve os seus parágrafos em norma puritana, como se algumas expressões fossem pénis minúsculos de estátuas imperiais.

A desmesura desse tipo de consciência implica, porém, uma reflexão cuidada, um apego maior aos valores humanísticos, éticos e morais de uma determinada personagem – sem exaltações ideológicas. Ao Carbónico sucederá sempre um Pérmico de valores diferentes, um tempo de escrutínio do que passou. Lula da Silva obscurece, pois, Francisco Franco – não porque é um homem de esquerda, mas porque é um Homem.

(Ontem, 01/04 no Jornal de Notícias)

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