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2.4.11

Passeio Público

(Mea culpa)

É fácil julgar o passado com a vantagem do tempo. E, por vezes, é injusto. No entanto, a atribuição do doutoramento “honoris causa” ao ex-presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra parece ser um bom momento para ajustar contas com o passado do galardão – sem ressentimentos ou desejos espúrios de desforra. O pretérito deslustroso consubstancia-se num nome: Francisco Franco Bahamonde.

Os agraciados com o doutoramento “honoris causa” pela Universidade de Coimbra são muitos, representando várias sensibilidades culturais, religiosas e políticas. Mas nenhum nome na lista de galardoados me causa tanta repulsa como o do caudilho espanhol. Os crimes que Franco cometeu (ou que foram directamente inspirados por ele e pela sua ideologia) foram tantos que nem vale a pena tentar enumerá-los – para uma noção grosseira indaguem-se porventura os livros de história e a wikipédia. Basta referir, como exemplo, que o ditador espanhol mandou executar mil vezes mais pessoas que Benito Mussolini, indubitavelmente um crápula da pior espécie.

O reconhecimento – em ritmo de mea culpa – de que existem nomes “errados” na lista de doutoramentos “honoris causa” pela Universidade de Coimbra não implica uma rasura a posteriori desses nomes; não se deseja a censura indigna de quem mutila as palavras de autores mortos, ou reescreve os seus parágrafos em norma puritana, como se algumas expressões fossem pénis minúsculos de estátuas imperiais.

A desmesura desse tipo de consciência implica, porém, uma reflexão cuidada, um apego maior aos valores humanísticos, éticos e morais de uma determinada personagem – sem exaltações ideológicas. Ao Carbónico sucederá sempre um Pérmico de valores diferentes, um tempo de escrutínio do que passou. Lula da Silva obscurece, pois, Francisco Franco – não porque é um homem de esquerda, mas porque é um Homem.

(Ontem, 01/04 no Jornal de Notícias)

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22.1.11

A grande assembleia dos instintos


(El Perro, 1819-23, Francisco Goya, Museo del Prado, Madrid)

No momento em que, depois de um combate, o animal vencido abandona a arena da luta todo o cerimonial do instinto de sobrevivência revivesce: a cabeça desce lentamente, os olhos cobiçam a segurança do solo, a cauda remete-se aos silêncios de entre-pernas. Nessa altura, o animal aproxima-se simbolicamente da casa, do território materno. Por vezes, observa-se um movimento de oscilação em que, subitamente, a agressividade que resta leva a melhor sobre o instinto da fuga. Recomeça então o ritual de esquiva, golpe e mutilação. Isto prova simplesmente que nenhuma luta está definitivamente perdida - pelo menos, se atendermos ao inexistente sentido moral da natureza. Amanhã podemos ser o cão batido que levanta a cabeça e morde.

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18.11.09

Bentham

É interessante a recente valorização da ciência pouco confessável das vigilâncias. Uns gostam, outros não gostam, outros ainda gostam e não gostam (em concomitância e de acordo com o que lhe dá mais jeito). Sempre me pareceu que a hipocrisia é, talvez, o pior defeito de todos os que afligem este desgraçado país. Assim é: na mesma conversa elogia-se o «Estado de Direito», e a possibilidade de se realizarem (e usarem) escutas ilegais. No café perora-se contra o chip das matrículas, e na rua valoriza-se uma vigilância persistente e panóptica, desde que feita sobre pessoas que manifestamente detestamos. O hipócrita transcende o próprio ego: é uma pessoa diferente em cada circunstância.

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16.10.09

Passeio Público

(Vitórias e festa)

A democracia portuguesa é um espanto. Uma maravilha. Agrada ao país inteiro, ao menino e à menina, do mais novo ao mais velho, ao pobre e ao rico – e até aos condenados pelos tribunais. Quando há eleições, ainda é melhor: todos, ou quase, são vitoriosos. E as vitórias, normalmente, são “esmagadoras”, reveladoras da “vontade popular”, garantes da continuação/mudança (riscar o que não interessa) das “políticas vigentes”. O cosmos eleitoral não é a preto e branco. É todo preto ou todo branco.

Coimbra, cidade do meio (na geografia, na dimensão), não despreza o cânone. No último Domingo, depois de conhecidos os resultados das eleições autárquicas, celebraram-se as vitórias. Foram muitas e bem distribuídas. O PSD (coligado com o CDS e o PPM) ganhou a capital do distrito. E festejou. O PS ficou em segundo mas subiu a votação no concelho. No distrito, teve a maioria dos votos e conquistou ao PSD as câmaras da Figueira da Foz, de Oliveira do Hospital e de Penacova. Festejou. A CDU elegeu Francisco Queirós e ganhou em cinco assembleias de freguesia. Obviamente, festejou. O CDS não foi a votos mas também ganhou na cidade de Coimbra (à boleia de Carlos Encarnação). É provável que tenha festejado.

O Bloco de Esquerda e o independente Pina Prata foram os grandes derrotados da noite. Não devem ter festejado, até porque nada havia para festejar, mas nunca se sabe: a psique dos políticos portugueses é insondável e excêntrica, facilmente descobre realidades alternativas e mundos virtuais que nada devem ao rigor empírico. A esquizofrenia das eleições autárquicas atinge o seu zénite no momento da comemoração: pela vitória, pelo aumento da votação, pela derrota por poucos. É difícil atravessar um distrito sem notar, nas ruas, a festa de quatro ou cinco cores. Agora, cabe exprimir o óbvio: a festa acabou. O trabalho, não. Nunca acaba, não espera nem diminui.
(Hoje, 16/10, no Jornal de Notícias)

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11.10.09

Eleições Autárquicas

À luz de qualquer critério possível, razoável e justo, as bactérias são, e sempre foram, a forma de vida dominante na Terra.
(Stephen Jay Gould, Full House, pág. 211)

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9.10.09

Passeio Público

(70x7)
O romance da ortodoxia não é intrinsecamente mau – há coisas que não se querem mudadas, como o sabor do bacalhau seco ao sol; afinal, a estase da tradição configura uma espécie de democracia dos mortos – mas não deve ser lido até às últimas consequências. O corolário é intuitivo: muda-se o que está mal, o que nos faz mal.

Coimbra habita na linguagem e, entre cortejos e serenatas, exalta e cumpre-se diariamente naqueloutra palavra: “tradição”. Há palavras que se agarram às cidades, como a lapa se fixa à rocha. Antiga e monumental, é cidade necessariamente conservadora – apesar dos estudantes, da “Geração de 70”, da “Presença” ou de 1969. Coimbra poderia ter-se detido perante o rumo inflexível do progresso (a todo o preço), mas por uma vez isso não aconteceu: os habitantes e os amigos da cidade contestaram o novo viaduto do IC2, projectado para passar sobre uma parte do Choupal, e, depois do grande murmúrio de protesto, surge o anúncio de alteração do traçado da rodovia - que irá contornar a mata, ao invés de a espezinhar.

Noutros campos, a imobilidade e a satisfação comezinha são para manter. Infelizmente. Não há força, ou sequer vontade, de mudar uma cidade sem dinâmica económica, com um centro histórico esquecido e degradado, com problemas nos transportes e habitação. Os problemas da cidade foram elencados de forma exaustiva pelos candidatos à Câmara Municipal de Coimbra, num debate realizado no Teatro da Cerca de São Bernardo. A percepção com que ficaram os potenciais eleitores presentes é a de que os mandatos de Carlos Encarnação se pautaram pela inacção, pela apatia e pela desorganização.

De facto, pouco foi feito pela cidade nos últimos anos. Não sei se a culpa é de José Sócrates que, segundo o edil conimbricense, execra Coimbra. O que eu sei é que é muito fácil sacudir a água do capote e culpar os outros pelos nossos próprios erros. O povo de Coimbra condescende. Mas se é certo que o criminoso deve ser absolvido até setenta vezes sete, o crime não deve ser perdoado uma única vez.
(Hoje, 09/10, no Jornal de Notícias)

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6.10.09

Passeio Público

(Não esquecer)

Ana Jorge, Paulo Mota Pinto, José Manuel Pureza, João Serpa Oliva, Victor Baptista, Pedro Saraiva, Horácio Antunes, Nuno Encarnação, Maria Almeida Santos e Maria do Rosário Águas. Estes são os novos deputados (embora alguns não sejam novatos nestas aventuras) eleitos pelo círculo eleitoral de Coimbra. Asseguro-vos que é boa ideia não deslembrar os seus nomes.

O que é que a cidade pode esperar deles? Independentemente do partido a que pertencem, julgo que Coimbra pode esperar mais, muito mais, dos novos parlamentares – tentarei consubstanciar esta afirmação. Considero, de resto, que a cidade deve exigir-lhes mais e melhor. Afinal, na legislatura anterior apenas duas acções de cariz local foram apresentadas na Assembleia da República. Os números comprovam uma tendência exasperante: Coimbra interessa mas apenas durante a campanha eleitoral.
(Sexta-Feira, 02/10, no Jornal de Notícias)
Facto: os deputados são eleitos por círculos eleitorais, mas o mandato do deputado é nacional. Isto é, a vontade dos parlamentares encontra-se, o mais das vezes, condicionada aos interesses de âmbito nacional instituídos nos programas dos partidos. A indiferença a que os círculos locais são votados resulta, em grande medida, da primazia dada aos problemas globais do país. Por outro lado, muitos dos deputados nem se dão ao trabalho de conhecer as dificuldades porque passam os círculos por onde foram eleitos – isto sim, é muito grave.

Como consequência dos resultados das eleições legislativas, o xadrez político conimbricense reconfigurou-se. Para além do Partido Socialista (PS) e do Partido Social Democrata (PSD), também o Bloco de Esquerda e o Partido Popular lograram eleger representantes por Coimbra. Novas concepções políticas, ideologicamente discrepantes, emergem. A cidade tem tudo a ganhar com isso: aumenta a «concorrência», aumenta a «eficiência». João Serpa Oliva e José Manuel Pureza não devem esquecer que foram os eleitores de Coimbra que os conduziram aos Passos Perdidos – os deputados eleitos pelo PS e PSD também não. Nós, os eleitores, não esquecemos.

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30.9.09

Arrows of desire #coda


(Guido Reni, São Sebastião, Museu do Louvre, Paris)

Que eu saiba (e eu sei muito, porque tenho acesso à Wikipédia) toda a gente tem as suas «vulnerabilidades». Até Aquiles, que era filho de deusa e bom guerreiro, sucumbiu a uma flecha bem apontada à sua «vulnerabilidade». Sebastião, que entre duas mortes se excedeu nas bocas com que presenteou Diocleciano, não foi capaz de se manter calado: foi essa a sua «vulnerabilidade». Cavaco, como o mártir, devia ter permanecido de boca fechada. O Presidente da República não possui o dom da palavra, é essa a sua maior «vulnerabilidade».

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27.9.09

Total isenção e imparcialidade

Deixem-me chorar descansado, impenetrável ao conforto hipócrita das vossas mãos. Este Benfica ainda me há-de matar. Ou pior: ganha o campeonato. E ainda temos o Cavaco e os fantasmas dos cadernos.

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25.9.09

Passeio Público

(Santos da casa)
A campanha eleitoral para as eleições legislativas termina hoje, felizmente. Falou-se pouco, e com desconhecimento, do que realmente interessa: a crise da economia, da educação ou da justiça. Não é difícil assacar a alguém a responsabilidade por este alheamento quase generalizado face aos problemas fundamentais do país. Sem que seja necessária uma meditação profunda (algo que me acontece mais vezes do que menos) surge na minha cabeça o nome do Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva. Ele foi a estrela injustificada desta campanha que ora finda.

A política portuguesa está menos sentimental e, porventura, mais ardilosa e capciosa. Prosperam as condições que facilitam o surgimento de fábulas manhosas, ideadas por frouxos leitores do esplêndido Maquiavel, que o tresleram e adulteraram, e caucionadas por comentadores que partilham o mesmo território ideológico e um espírito pouco sagaz. O “caso das escutas” (como, aliás, o fabulário em redor da “asfixia democrática” e das “agendas furtivas de coligação pós-eleitoral”) abastardou o combate eleitoral, que se afastou irremediavelmente da discussão dos temas importantes ou da competência política dos candidatos.

Na campanha em Coimbra, perante a impossibilidade de recorrer a “não-assuntos” como armas de arremesso (mas não deixamos de notar o levantamento da lebre “Rui Teixeira, juiz”, pelo Professor Paulo Mota Pinto), os esforços da “política (de) rasteira” concentraram-se na naturalidade dos candidatos e na sua ligação, ou não, à cidade. Para alguns, só os santos da casa é que fazem milagres.

A Dr.ª Ana Jorge é a única cabeça de lista que não tem qualquer ligação com Coimbra: não nasceu na Sé Nova, não estudou na Universidade, não trabalhou nos HUC. Fraco curriculum para apresentar aos fundamentalistas do “jus soli” e do “jus sanguini” (em concomitância), aqueles que entendem que os candidatos por Coimbra só podem ser recrutados entre os filhos da terra, com ligações afectivas, familiares ou místicas à velha cidadela junto ao Mondego – na tradição do ideário de aversão ao Outro, ao “estrangeiro”. Parecer-me-ia mais correcto que se analisasse a capacidade política de Ana Jorge (que é muita), e não o seu local de nascimento. O problema é que isso parece-se demasiado com a política séria.
(Hoje, 25/09, no Jornal de Notícias)

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23.9.09

indecisão

são dezassete e cinquenta e cinco quase dezoito, muito obrigado, não tem de quê, segue a tua vida que eu sigo a minha, o dia ainda não declina apesar das horas e é cedo para tanta indecisão.

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22.9.09

Não fui eu


O Bloco tem as mulheres mais bonitas da política portuguesa, diz-se. A CDU tem o homem mais charmoso da política portuguesa, diz-me, sentada ao meu lado, no sofá vermelho (a cor!, a cor!). O CDS-PP tem o homem mais ritmado da política portuguesa, diz o próprio. O PS não tem homens nem mulheres, mas anjos/demónios (riscar o que não interessa), diz o DN e o Público. O PSD tem o casanova da política portuguesa, diz a imprensa cor-de-rosa. A esperança devia ser a primeira a morrer.

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19.9.09

Passeio Público

(Por Coimbra)

“Por Coimbra não vai nada, nada, nada? Mas mesmo nada? Tudo!” Parece slogan eleitoral (e para isso foi recentemente amputado) mas a história destas palavras é mais antiga, e eleva-se definitivamente sobre as futilidades insistidas nos cartazes de campanha. Estas palavras pertencem à academia de Coimbra (se é que se pode falar de pertença e posse) e não, como parece ocorrer a alguns, ao indivíduo A ou ao partido B.

De facto, a realidade parece opor-se a este postulado fundamental. A utilização de uma parte da expressão relacionada com um dos gritos tradicionais da academia (a saber: “Por Coimbra”) pela candidatura de Pina Prata motivou uma queixa à Comissão Nacional de Eleições por parte da candidatura do PSD/CDS/PPM. Carlos Encarnação e a sua equipa insinuam-se como os legítimos senhores de tão populares palavras. Afinal, usam-nas em campanha desde 2001. Justifica-se a sua propriedade por usucapião: o uso fixa o dono.

Carlos Encarnação e Pina Prata disputam algo que não é pertença de nenhum dos dois. Não o fazem por falta de imaginação ou plágio (o chavão já havia sido utilizado pela candidatura de Mendes Silva, pelo Partido Socialista, em 1982) mas porque partilham a mesma concepção política para Coimbra. Porque apesar de inspirarem posições antagónicas são fundamentalmente iguais.

O que fazer com as palavras? Que as palavras interessam já o havíamos dito, mas talvez possamos pendurar a esse lugar-comum ainda um outro: as palavras revelam ao mesmo tempo que ocultam. Esta é, seguramente, uma trivialidade paradoxal mas justa. O significado veiculado pelas palavras é fluído e poroso, impreciso e vago, carcomido incessantemente pela mudança de interlocutores e interpretações.

No entanto, alguma coisa permanece imutável no caos da comunicação, passível de ser escrutinada e comentada. Coimbra não precisa destes gémeos desavindos mas de uma verdadeira alternativa de esquerda. A responsabilidade de trazer a política a sério para a campanha cabe agora ao Partido Socialista, ao Bloco de Esquerda e ao Partido Comunista.
(Ontem, 18/09, no Jornal de Notícias)

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29.8.09

Passeio Público

(Imagem e palavra)

Falta fazer uma etnografia das campanhas eleitorais em Portugal. De resto, poder-se-ia começar a investigação estudando a iconografia, os brindes (lembro com horror as saias de plástico com que nos quiseram comprar o voto durante a década de 1990) ou os carros de campanha que seguem os candidatos como fidelíssimos perdigueiros. Estudava-se a cultura material, portanto. Pedaços do mundo físico aos quais foi atribuído um valor cultural, como me foi ensinado há longos anos. A música, como é óbvio, teria um lugar de destaque em qualquer monografia deste tipo. Durante a campanha, os Zés-Pereiras coabitam com o Luís Cortez, e nas notas falhadas das gaitas de foles confessam-se alegrias e afectos, descontinuados, aqui e ali, por fiapos de melancolia.

O estudo (i.e., uma olhadela apressada) dos cartazes de campanha é particularmente interessante, e muito informativo. A fotografia dos candidatos é, normalmente, um logro à «genuína ilustração» (adulterando Kleist) dos mesmos. A fotografia convoca a experiência, reifica-a e certifica-a. As criaturas que aprisionam Cristo no “Ecce Homo” de Quentin Massys lembram-nos a dura lição: a cara de um homem não engana outro homem. Mas isto é a teoria. Na prática, quando olhamos distraidamente para os retratos de Horácio Pina Prata, Álvaro Maia Seco ou Carlos Encarnação não podemos ter a certeza de quem são aqueles homens; não podemos ter a certeza se o trabalho, o amor e a ambição correm sinceramente na expressão do seu olhar ou se são meros artifícios do Photoshop.
As palavras também contam; o designativo “Coimbra”, sobretudo, é tão conspícuo que, paradoxalmente, perde a sua importância simbólica. A repetição desgasta-o. As palavras que sobram são, também, reveladoras: na locução “Com Amor”, de Carlos Encarnação, pressente-se a pureza das bem-aventuranças (como em Jesus); na máxima “Com Trabalho”, de Pina Prata, adivinha-se o cumprimento severo do dever (como assegurou Kant); e na expressão “Com Ambição” de Álvaro Maia Seco, sente-se a determinação de converter a cidade numa casa feliz (como diria o doutor Samuel Johnson). Tudo isto é verdade, ou não. Palavras, leva-as o vento.

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22.8.09

Passeio Público

(República hereditária)

Talvez conheçam a notícia: há alguns dias, um grupo de monárquicos do blogue 31 da Armada substituiu a bandeira municipal da Câmara de Lisboa pela proscrita bandeira azul e branca da monarquia.

Perante a quietude indisfarçada da Praça do Município, os “Vaders” (no vídeo da acção disponibilizado pelo 31 da Armada, os participantes ocultam-se sob a máscara de Darth Vader, personagem da “Guerra das Estrelas”, e o símbolo imprescindível das acções do 31 da Armada) da “ala monárquica” do blogue subiram ao varandim da Câmara Municipal de Lisboa e, com uma simples troca de galhardetes, mostraram que um escadote de três metros dá sempre jeito e, sobretudo, fizeram mais pela causa monárquica que todas as aparições públicas de D. Duarte de Bragança (um parênteses, aqui: gozar com a figura do pretendente ao trono é algo que reputo de péssimo gosto, e muita gente o faz; enfim, o sarcasmo é um mecanismo jurisdicional, um processo lento e conspícuo de opressão).

Eu achei piada, e não levei a agit-prop a sério. O imenso e conspícuo talento da fidalguia portuguesa (e, diga-se, a bem da verdade, também de alguns dos seus apoiantes “plebeus”) baseia-se no facto de ninguém poder, de forma alguma, levá-la a sério. No próximo ano a República completa 100 anos, idade respeitável, e são poucos os que pretendem voltar ao tempo dos reis, das princesas e dos dragões. Afinal, como tão bem expressou G.K. Chesterton: “não podemos confiar em príncipes”.

E acrescentou: “nem em filhos de homens”. Esta é a verdade inescapável. Não podemos confiar nas pessoas, e ainda menos no idealismo dos regimes. Afinal, sobre o pano glorioso da República também caem nódoas familiares. Vejam-se as listas de candidatos do PSD às legislativas, onde se ajeitam ilustres linhagens e genealogias. Só filhos de autarcas, são quatro. Mas não se esquecem as esposas, que os direitos das mulheres não são uma utopia de papel.

No regime vigente, também o sistema hereditário é uma forma de transmissão do poder. Em Coimbra, o rei Carlos entrega o delfim Nuno às incumbências patrióticas dos Passos Perdidos. Não se estranhe, porém, esta herança; ainda é normal que um pai queira o melhor para o seu filho.

(Ontem, 21/08, no Jornal de Notícias)

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11.8.09

De braço ao peito

Acreditem: nós vamos ter um deputado que no exacto dia em que tinha de se apresentar na Polícia Judiciária para um teste de caligrafia foi ter com um cunhado que é médico no Hospital de Santa Marta, no serviço de cirurgia vascular (!), para engessar um braço por completo, do ombro até ao pulso. A Ordem dos Médicos considerou que colocar o gesso foi "má prática clínica". Não consigo encontrar um adjectivo para classificar a prática do deputado. Mas consigo classificar a prática da lista do PSD: uma vergonha.

(Ricardo Costa no Expresso)

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É impossível não achar piada a isto

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8.8.09

Passeio Público

(Geometria ética)

Provavelmente poucos estariam à espera que Isaltino Morais, o presidente da autarquia de Oeiras, fosse tão severamente condenado pelo colectivo de juízes do Tribunal de Sintra. Antes de conhecida a sentença - sete anos de prisão efectiva e a perda do mandato, saibam-no os mais distraídos – talvez ninguém supusesse que seria este o final da história.

Desenganem-se, não é. A justiça é um rio longo, e perde-se muita água pelo caminho. Ainda há tempo para outras batalhas: Isaltino vai recorrer da sentença e mantêm, com toda a naturalidade, a sua candidatura à Câmara Municipal de Oeiras. Está no seu direito. Ninguém pode ser punido antes de a decisão transitar em julgado.

Todavia, esta situação não se resume à matéria do foro criminal; configura, ainda, uma posição ética e moral, salientada, de resto, pela juíza Paula Albuquerque. Note-se, aliás, a posição de Marques Mendes relativamente à presença de arguidos em processos criminais nas listas do PSD. Não basta uma ética da seriedade; não basta uma lisura geométrica; a aparência de seriedade e de lisura é tão importante como a própria seriedade e lisura. Esta anatomia da suspeita é parte essencial da política contemporânea.

No teatro da crueldade, o “autarca (e, por extensão, o político) português” é, o mais das vezes, uma figura injustamente malquerida e estigmatizada. E Isaltino Morais é o autarca arquetípico, rapsodo e engenhoso. Liberto do “ruído da ideologia” e dos espartilhos partidários, repetindo uma estética pouco esdrúxula em cada charuto fumado, condenado em primeira instância pelos tribunais.
O voto dos eleitores é diferente do voto dos juízes. “A política está num lado e a justiça noutro”, adverte o autarca oeirense. Talvez Isaltino ainda vá a tempo de adoptar o slogan do infame Adhemar de Barros, que rouba mas faz. Afinal, Oeiras é dos concelhos mais desenvolvidos do país – disso não tenho qualquer dúvida.
(Ontem, 07/08, no Jornal de Notícias)

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4.8.09

Passeio Público

(Intriga e política)

Um cidadão comum com a escolaridade obrigatória não tem que se pôr a pensar sobre todas as coisas; pensando bem, nem a isso está obrigado um político ou um funcionário do estado com as mais altas responsabilidades. É, por isso, com algum desconforto que, por agora, desisto de reprovar (com toda a veemência necessária) a indiferença da Estradas de Portugal (EP) perante a morte recorrente de pássaros que embatem com os painéis acústicos da Ponte Rainha Santa, em Coimbra. Menciono o caso, não para me certificar que algo irá ser feito pela EP de modo a reduzir ao mínimo aceitável o genocídio aviário, mas para esconjurar a má consciência e adoptar, pelo menos, uma postura de resistência passiva perante a situação.

De qualquer forma, o estado a que chegou (sendo este “estado-a-que-chegou”, ele próprio, uma instituição) a política em Portugal não permite grandes devaneios à volta de aves e pontes, que não sejam aqueles que nos afoitam a saltar (a voar) dessas mesmas pontes para o suicídio colectivo enquanto país. Não é caso para menos: a historieta que envolve o Bloco de Esquerda (BE), o Partido Socialista (PS) e Joana Amaral Dias, antes de ser uma imbecilidade terceiro-mundista, é a prova cabal de que em Portugal se confunde, mais vezes do que seria desejável, a política com a intriga. Tudo isto num momento de crise, quando o que se faz (e o que se diz) deveria apoiar-se em princípios de responsabilidade.

As acusações feitas ao PS são duras. Envolvem ofertas obscuras de um lugar elegível na lista por Coimbra ao Parlamento e cargos honoríficos no novo governo; ofertas recusadas, afinal, por Joana Amaral Dias. Na realidade, ninguém parece interessado em confirmar, ou infirmar (excepto José Sócrates, Vieira da Silva, Paulo Campos e Vítor Baptista), as pretensas manobras dos socialistas junto da bloquista – mas essa é uma responsabilidade do BE, que aqui toma o papel do acusador.

De um lado, a lisura cartográfica de Francisco Louçã, rescendendo a sermões e moralidades jesuíticas; do outro, a presumida conduta de altos dirigentes socialistas, subordinados à divulgação dos desmentidos. Tudo se resume a acusações para as quais não há defesa possível; o boato é de tal modo reprovável que muito dificilmente surgirão provas palpáveis que o confirmem. No final, será como nos tempos negros da Santa Inquisição: uma vítima inocente sempre há-de arder na fogueira.

(31/07, Jornal de Notícias)

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7.6.09

Abstenção

Não foi preciso «fazer 600 km» para votar, como o Tomás, nem sequer acordar às 6:45am, como a minha querida noiva (nem o meu corpinho, adormecido mas certamente lascivo, a demoveu dos seus intentos malévolos, e pressurosa se afastou da hipertermia do leito pré-conjugal, rumo ao Estoril votar na Ilda). Suplantei com alguma facilidade os 200 km regulamentares (o Chesterton ajudou, a antevisão das minis no frigo da Otília também) e, em grande estilo, «prantei o bóto». Fácil, muito fácil. Sentido de voto: esquerda democrática. Vocês sabem do que é que eu estou a falar.

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