Passeio Público
(Coisas sérias)
Anedotas há muitas, umas boas e outras más – não é isso que interessa. Esta que vos desejo relatar é triste, porque próxima de uma certa percepção popular da realidade, mas definitivamente reveladora de um modo de agir menos raro do que seria desejável. É mais ou menos assim.
No Município X, o presidente da Câmara planeia construir uma piscina municipal. Naturalmente, acciona um concurso público ao qual concorrem empreiteiros de diferentes nacionalidades. Especificamente, um inglês, um francês e um português (onde é que o/a leitor/a já ouviu isto?). O inglês propõe-se fazer o trabalho por cento e cinquenta mil euros. O francês disponibiliza-se para realizar a empreitada por cem mil euros. Finalmente, o português oferece-se para construir a piscina por trezentos mil euros. O estupefacto autarca convoca o empreiteiro português ao seu gabinete e pergunta-lhe porque é que a sua proposta é tão onerosa, não menos que trezentos mil euros! O empreiteiro contesta: são cem mil euros para mim, cem mil euros para si e cem mil euros para o francês construir a piscina.
Não me interessa muito o humor – ou a falta dele – que esta pilhéria carrega. A anedota – qualquer anedota – procede de um limbo duvidoso, onde se juntam o preconceito, o mau-gosto e as generalizações abusivas. Tudo o resto (o seu peso alegórico) é potencialmente mais interessante. Porque ressuma o choro triste destes tempos, porque sugere outros episódios, verdadeiros e igualmente caricatos.
Não é difícil recapitular a venda tragicómica do edifício dos CTT na Avenida Fernão de Magalhães, em Coimbra. Vendido de manhã por quase quinze milhões de euros à Demagre, revendido à tarde por cerca de vinte milhões à Espírito Santo Fundos de Investimento, SA. A anedota, que já foi caso de polícia, chegou agora à barra dos tribunais. Esperemos que as coisas se tornem finalmente sérias.
(Ontem, 04/02 no Jornal de Notícias)
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