Passeio Público
{Dois mundos}
Os mal-entendidos que têm rodeado a cidade de Coimbra, desde o circo do Metro até à renúncia extemporânea de Carlos Encarnação, não sufocam – de todo – o orgulho e a alegria que resultam quer da “inauguração oficiosa” do novíssimo Hospital Pediátrico, quer da visibilidade internacional crescente da venerável Universidade. Uma apreciação rígida destes eventos que vêm marcando a cidade poderá concluir da diferença irredutível entre aqueles que servem a cidade e aqueles que se servem da cidade. Ao fim e ao cabo, talvez seja esta diferença a paradoxal intérprete dos eixos que retesam Coimbra entre o desenvolvimento e a estagnação.
A homérica transferência que ocorreu no último sábado (29 de Janeiro) entre as antigas e as novas instalações do Pediátrico tangeu o acorde maior (a “inauguração oficial” nunca será mais que um ritual de alarde e presunção) de um processo que se arrastou molemente por intérminos anos – bem descritos pela derrapagem dos custos de construção (nada de novo se anuncia debaixo do sol português) ou pela escolha desinspirada do local de edificação (o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha configura um paradigma semelhante mas com a desvantagem dos séculos).
Como é lógico supor, a limpidez desta história transformar-se-á facilmente numa margem esquecida de um corpo. O esquecimento é adequado. As excelentes instalações do novo Hospital Pediátrico, aliadas às reconhecidas capacidades dos seus profissionais de saúde (que transitam do antigo), devem ser as justas características que irão regular as conversas sobre a instituição.
À primeira vista, Coimbra vive imersa num antagonismo ontológico entre frescos que representam a elevação à justiça e a queda na boçalidade. O Hospital Pediátrico e a Universidade mostram-nos objectivamente que é necessário desqualificar aqueles que se agarram aos próprios erros, aqueles que recusam libertar-se do mundo ambíguo das habilidades e mentiras.
{04/02, no Jornal de Notícias}
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