31.3.07
30.3.07
29.3.07
Quaresma, Ronaldo e outros problemas sentimentais: direito de resposta
Omitiste um ponto importante do meu argumento: eu questiono a bondade argumentativa de quem envereda pela lógica da dispersão e, sem personalizar [referia-me a vozes vindas da direita], mais vezes leio a actuação de um cinismo paralisante do que o utopismo de que falas. Que os filo-israelitas amiúde também apontem para Darfur é algo nobre, e mal seria se as causas fossem exlusivas. Se o fazem com legítimo cuidado pela escala da tragédia e pela omissão mediática - num e outro caso, factos sonantes - ou se o fazem, como frequentemente me parece, com o mero intuito de diluição descomprometodora que desarme consciências políticas é, pois, o busílis da minha questão.
Quaresma, Ronaldo e outros problemas sentimentais
Talvez a culpa tenha sido do preço das mines, não posso garantir que sim mas é a hipótese mais verosímil. Ficou, portanto, alguma aporia à flor dos argumentos. Dizias tu que a melhor forma de actuar é através do activismo localizado [ao invés de um activismo dispersivo] e eu que não podíamos invocar uma parte dos oprimidos, esquecendo todos os outros [oposição teórica a uma espécie de activismo selectivo]. Referiste, e muito bem, que a causa [palestiniana] convoca, porventura, uma premência geo-estratégica que nenhuma das outras causas invocadas [Darfur, Hmong, Chechénia] possui. Mas - tu, mais que ninguém, concordarás comigo - uma única vida humana é mais importante que uma qualquer relevância geo-estratégica. Reconheço que o trabalho concentrado num único ponto poderá ser mais profícuo mas não me conformo que nos empenhemos em salvar um punhado de vidas palestinianas enquanto olhamos para o lado no Darfur ou no Tibete. Querer guardar todos é utópico? É. Não tenhamos dúvidas disso. Mas é a única forma de continuarmos inocentes. De não sucumbirmos à tentação da sobranceria. Falaste, também, no facto de ser um estado [Israel] que pratica atrocidades sobre uma população indefesa. É verdade. E eu, apesar de ser filo-israelita [como alguém me chamou], condeno Israel pela sistemática violação dos direitos humanos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. Mas também condeno o terrorismo de estado praticado pela China, pela Rússia ou pelo Laos. Não apresento soluções, denuncio, que já é mais do que muita gente faz. Faço o que posso num oceano de limitações. Como tu, aliás, e bem melhor que eu.
Etiquetas: activismo, causa palestiniana, Israel, jantar, minis, Palestina
27.3.07
Ardendo
Tens medo do que lês. [São apenas quatro amigos, dois contra dois, e um jantar no final. As exéquias de um aniversário contido.] Não tenhas medo do que lês. As palavras não são redutíveis ao sentido que lhes dás. São isso, concerteza. E muito menos. O que interessa é o que te sussurro ao ouvido. O que te vai chegando devagar, com o vento.
Etiquetas: devaneios
Convite
[Um jovem índio pescava solitariamente. O sol, passando numa piroga, perguntou-lhe se ele tinha pescado alguma coisa. O rapaz respondeu-lhe que não e o sol convidou-o a embarcar.]
Museu Antropológico
Museu da Ciência da UC
2ª a 6ª Feira 14:30m-17h
Até 31 de Julho de 2007
Etiquetas: antropologia, museus
26.3.07
Grandes Portugueses: a vitória bolorenta
Eu já sabia que ia acontecer mas nunca quis acreditar. Salazar ganhou o concurso Grandes Portugueses - e venceu de goleada. Naqueles 40 e tal por cento de votos alocados no rural ditador [a referência a votos e ao ditador Oliveira Salazar na mesma frase é, só por si, um acto de criatividade ficcional] cabem, com toda a certeza, muitas sensibilidades políticas, ideológicas e morais. Para começar, é crível que muitos dos votos no Tonito de Santa Cona Dão procedam dos desesperançados do regime democrático, daqueles que, apesar das liberdades todas e dos dinheiros de Bruxelas, não vêem a vida a andar para a frente. Outra fracção de votos em Salazar deriva do medo ancestral ao comunismo, personificado em Álvaro Cunhal [diga-se que, depois de algumas intervenções de Odete Santos, as minhas dúvidas em relação ao pendor totalitário e estalinista do PCP dissiparam-se completamente]. Mas é certo que uma boa parte dos votos no professor Salazar proveio de uma camada lamacenta que sobrevive nas remansosas águas da sociedade portuguesa - a maior preocupação da incipiente democracia de Abril [por se cumprir?] advirá daqui. Eles andam aí, ninguém duvide disso: proto-fascistas, cripto-fascistas, neo-fascistas, nacionalistas, identitários. E, como se viu, possuem um elevado poder de congregação em torno de uma causa. A vitória de Salazar não é um pormenor de somenos: revela claramente um distanciamento do povo [esse grande desconhecido] em relação ao sistema democrático e, sobretudo, aos agentes do sistema democrático. Enquanto a honestidade for o valor mais alto para o povo, sempre os políticos desta democracia perderão para Salazar-mito. E digo isto com todo o pesar do mundo.
Etiquetas: concurso Grandes Portugueses, democracia, fascismo, Salazar
23.3.07
22.3.07
Mudança de estação 2
Alimentados durante centenas de anos por uma literatura em que a Justiça invariavelmente triunfa no último capítulo, cremos meio instintivamente que o Mal acaba por se malograr com o decorrer do tempo. O pacifismo, por exemplo, baseia-se nessa crença. Se não nos opusermos ao Mal, duma maneira ou doutra ele há-de acabar por se auto-destruir. Mas porque razão deveria isso acontecer?
[George Orwell, Recordando a guerra espanhola, pág. 31]
Etiquetas: citações
Mudança de estação
Se fosse possível esquecer não duvido que era isso que se tinha feito. Mas não é possível, possivelmente. O tempo, a lenta passagem das horas, o confirmará ou, au contraire, o infirmará. Entretanto, o desígnio das calendas passa inevitavelmente pela superação da mínima parcela de maldade. Os dias mais longos - julgo - são a infíma, passageira, vitória do bem sobre o mal.
Etiquetas: devaneios
21.3.07
Poesia
Luís Quintais e Anne Carson no dia mundial da poesia.
Do Luís, meu ex-professor [mas quem foi nunca deixa de o ser] e amigo, um poema do seu primeiro livro, A Imprecisa Melancolia [Teorema, 1995]:
Na Catedral
Cheguei cedo à catedral.
Turistas prostravam-se
às suas portas.
Às dezasseis, invadiram-se as naves
com a avidez do sagrado
ou da sua nostalgia.
Nenhum anjo nos tocará na face,
nenhuma forma se incendiará de puro desejo.
Não partilharemos mais
que a curiosidade a horas marcada.
Nada há que se contemple.
Nem o lembrado exercício do canteiro,
nem a fúria do geómetra que, da palavra,
quis a sereníssima música,
o portal dos céus.
Nada há que se contemple.
Não há olhos
que contemplem
a imensa porfia do divino
que, tão perto das pedras e tão longe
dos homens,
fez dos séculos um imenso
retábulo, um espelho de umbrosos
desígnios, de trânsitos sem esperança.
De Anne Carson, uma motivação inserta em Plainwater [Random House, 1995]:
After a story is told there are some moments of silence. Then words begin again. Because you would always like to know a little more. Not exactly more story. Not necessarily, on the other hand, an exegesis. Just something to go on with. After all, stories end but you have to proceed with the rest of the day.
Etiquetas: Anne Carson, literatura, Luís Quintais, poesia
Dirty rotten imbecile
Procura-se a palavra com o secreto anseio de nunca a encontrar. A busca, mantendo-se como propósito dilatório do fim. Remendam-se as frases com sucedâneos melancólicos, disfarça-se o sentido com a ternura do alfaiate desaparecido. Um protesto de imbecilidade. Nunca dizer o que se tem para dizer. Falar através dos arcanos. Confundir. Entrelaçar os caminhos para que ninguém fuja jamais do labirinto. E, no âmago do véu, ousar a busca sem fazer caso do que se vai achar.
Etiquetas: devaneios
20.3.07
19.3.07
Darwinismo vs. criacionismo
O problema maior, julgo, nem será leccionar o criacionismo nas escolas como alternativa ao ensino da ciência - ou melhor, ao ensino da teoria da evolução. Em Portugal, o ensino do darwinismo ou não existe ou é residual: confina-se às universidades [e aos cursos de ciências biológicas] e no secundário é relegado para o final do programa do 12.º ano*. Isto é, a maior parte dos alunos portugueses não tomam sequer um contacto fugaz com a teoria de Charles Darwin. Não podem, pois, confrontar os argumentos criacionistas com os de Darwin porque simplesmente não sabem o que é a evolução biológica das espécies.
*Há dias fui falar a uma escola secundária de Coimbra sobre a história filogenética da humanidade. O público-alvo limitava-se aos alunos do 10.º, 11.º e 12.º ano. Alguns dias antes da "prelecção" as professoras pediram-me para, e cito de memória, não falar de evolução, de Darwin ou da selecção natural porque os alunos ainda não sabem o que isso é.
Etiquetas: criacionismo, darwinismo, escola
17.3.07
15.3.07
Ombra mai fù
Há gajos que quando falam de literatura deviam levar imediatamente um tiro nos cornos. Ou melhor, há gajos que deviam levar imediatamente um tiro nos cornos.
Etiquetas: La haine
Totally emprisioned #3
[MICHAEL SCOFIELD]
ALIAS: Fish AKA Snowflake
ALIAS: Fish AKA Snowflake
BACK NUMBER: 94941
LOCATION: AT LARGE
CRIME: Armed Robbery
SENTENCE: Five years
NOTES:Michael Scofield’s educational background leaves question as to why such a man would commit the crime he did. Beginning with an immaculate record at Morton East High School, he would later graduate Magna Cum Laude with a B.S., civil engineering and M.S., civil engineering, from the Loyola University of Chicago.At the time of his arrest, Scofield was employed as a structural engineer at the prestigious firm of Middleton, Maxwell and Schaum located in Chicago, Illinois. Scofield was convicted of armed robbery after attempting to steal over half a million dollars from the downtown Chicago branch of United Savings Bank. At his trial, Scofield pled no contest and requested to serve time in the Level One facility closest to his Chicago home.
Now at large, Scofield is believed to have reunited with his long lost father, Aldo Burrows. Aldo, a former member of The Company also on the run, is responsible for exposing the embezzlement of EcoField’s funds by President Reynold’s brother Terrence Steadman into his sister’s election campaign. This prompted The Company & Reynolds to subsequently frameup Lincoln for Steadman’s murder to draw out Aldo Burrows. Scofield and Burrows were recently apprehended by Border Patrol in New Mexico, but slipped out of their handcuffs while in D.O.C. transport and escaped.
ADDITIONAL NOTES:Prior to his escape, the inmate had logged visits with Veronica Donovan, his attorney, and was approved for monthly conjugal visits with Nika Volek, his wife.
Now at large, Scofield is believed to have reunited with his long lost father, Aldo Burrows. Aldo, a former member of The Company also on the run, is responsible for exposing the embezzlement of EcoField’s funds by President Reynold’s brother Terrence Steadman into his sister’s election campaign. This prompted The Company & Reynolds to subsequently frameup Lincoln for Steadman’s murder to draw out Aldo Burrows. Scofield and Burrows were recently apprehended by Border Patrol in New Mexico, but slipped out of their handcuffs while in D.O.C. transport and escaped.
ADDITIONAL NOTES:Prior to his escape, the inmate had logged visits with Veronica Donovan, his attorney, and was approved for monthly conjugal visits with Nika Volek, his wife.
Etiquetas: Michael Scofield, Prison Break, Wentworth Miller
14.3.07
Anedota barroca e trágica
Pode parecer um tanto surpreendente começar um texto assim. Mas não é, se te lembrares das calças azuis de ganga e de um livrinho de capa cinzenta - debruada a setas e cornos. Prometi que o seguiria sem mas ou aporias, falhei. O preconceito é instintivo, inato e correntio. A melancolia segue-o de perto. São os dias do ano em que o sol não é mais que uma palavra ferida na pele.
Etiquetas: devaneios
13.3.07
Novas marcas de velhice
Lágrimas ou vontade. Vontade. O vago pressentimento de que seriam bem-vindas, em acolhimento de rugas novas.
Etiquetas: devaneios
12.3.07
Estéticas da morte #dezanove
Foi em vão. Correu, saltou, caiu, levantou-se do chão, voltou a correr. E, no entanto, tudo isso [acções que tomadas no seu conjunto podem ser entendidas como uma tentativa de fuga] foi em vão. Até cruzar o rio, J. não parou nunca de correr, de olhar por cima do ombro e de suar as horas. O rio: o Styx. Foi em vão, J. nunca se libertou senão depois de morto.
Etiquetas: Estéticas da morte
9.3.07
Não julgarás
Um bandido é um bandido, quer ele seja o meu companheiro de luta, quer o tirano contra o qual ambos lutamos.
[Miguel Torga, Diário IV, pág. 68]
Etiquetas: citações
8.3.07
Antologia de contos fantásticos "Biblioteca de Babel"
O silogismo, ou seja, o argumento lógico fundamental, não é estranho à mente de muitos animais. O silogismo é originalmente como que uma comparação entre duas sensações. Se não, porque é que os animais que conhecem o homem fogem dele, e não os que nunca o conheceram?
Este trecho de Leopoldo Lugones, retirado do conto "Yzur" [inserido no livro de contos "Os cavalos de Abdera"], foi publicado em 1988 pela Vega na primeira edição portuguesa da célebre antologia de contos fantásticos "Biblioteca de Babel", organizada por Jorge Luis Borges. Ao meu lado, para que não subsistam dúvidas, tenho um exemplar de "Os cavalos de Abdera", número 1 da colecção. A Presença reedita a colecção: Gustav Meyrink e Pedro A. de Alarcón são os primeiros autores publicados.
Este trecho de Leopoldo Lugones, retirado do conto "Yzur" [inserido no livro de contos "Os cavalos de Abdera"], foi publicado em 1988 pela Vega na primeira edição portuguesa da célebre antologia de contos fantásticos "Biblioteca de Babel", organizada por Jorge Luis Borges. Ao meu lado, para que não subsistam dúvidas, tenho um exemplar de "Os cavalos de Abdera", número 1 da colecção. A Presença reedita a colecção: Gustav Meyrink e Pedro A. de Alarcón são os primeiros autores publicados.
Rigor, senhores jornalistas do DN*, rigor e alguma pesquisa. Se são assim em matéria tão mesquinha...
*Não me apeteceu levantar o rabo da cadeira para pesquisar o nome do[s] jornalista[s] que escreveram o artigo no Diário de Notícias [mas, raios, eu não sou jornalista! E ninguém paga para ler este blogue!].
Etiquetas: Borges, literatura, livros, mau jornalismo
A resiliência fugaz dos ratinhos do campo perante os gatos rafeiros europeus: uma hermenêutica darwinista
Um sismo na Baixa mobilizou-me as pernas, dispersou-me a mente e desligou a corrente a eléctrica. Este post acabou por não ser escrito. As minhas sentidas desculpas ao improvável leitor.
Etiquetas: Biologia, darwinismo, gatos
7.3.07
6.3.07
5.3.07
Estéticas da morte #dezoito
Este homem [digamos, para efeitos práticos, que se chamava Jaime Miguel Barreiros Silvério de Alencar] gostava de sentir a arma nas mãos. Todos os dias, durante 30 anos. Passava as horas em observação pasmada e diletante, porém atenta. O peso equilibrado. As minudências barrocas da coronha. As estrias do cano curto ainda por fumegar. A frialdade do metal. A placidez tonitruante do cromado, sobretudo, provocava-lhe um frémito nos sentidos que, imaginava, ia mais além, muito mais além, que a experiência sexual. Um dia - uma noite, se quisermos ser mais exactos - decidiu ir um pouco mais longe: queria sentir a bala na têmpora direita. A arma perfeita encravou. A bala ficou pela penumbra, nunca deu sombra. Jaime Miguel Barreiros Silvério de Alencar podia agora morrer de desgosto.
Etiquetas: Estéticas da morte
2.3.07
Letters from Iwo Jima
O filme é demasiado bom. Simples e icástico: o inimigo era humano, quase bondoso, do tipo vizinho que ajuda a transportar os móveis para o quinto andar. A perspectiva foi inventada pelos pintores flamengos mesmo para isso, para mostrar que se pode ver a mesma coisa de maneiras diferentes. Mas, não nos deixemos enganar, apesar da pespectiva clean de Eastwood eles [os japoneses (e os alemães e os italianos)] foram mesmo uns grandes filhos da puta.
Etiquetas: cinema, guerra, revisionismo
1.3.07
A tentação da gárgula
Quando partiste não pude deixar de pensar que vivemos a mais bela das mentiras.
Etiquetas: devaneios