Grandes Portugueses: a vitória bolorenta
Eu já sabia que ia acontecer mas nunca quis acreditar. Salazar ganhou o concurso Grandes Portugueses - e venceu de goleada. Naqueles 40 e tal por cento de votos alocados no rural ditador [a referência a votos e ao ditador Oliveira Salazar na mesma frase é, só por si, um acto de criatividade ficcional] cabem, com toda a certeza, muitas sensibilidades políticas, ideológicas e morais. Para começar, é crível que muitos dos votos no Tonito de Santa Cona Dão procedam dos desesperançados do regime democrático, daqueles que, apesar das liberdades todas e dos dinheiros de Bruxelas, não vêem a vida a andar para a frente. Outra fracção de votos em Salazar deriva do medo ancestral ao comunismo, personificado em Álvaro Cunhal [diga-se que, depois de algumas intervenções de Odete Santos, as minhas dúvidas em relação ao pendor totalitário e estalinista do PCP dissiparam-se completamente]. Mas é certo que uma boa parte dos votos no professor Salazar proveio de uma camada lamacenta que sobrevive nas remansosas águas da sociedade portuguesa - a maior preocupação da incipiente democracia de Abril [por se cumprir?] advirá daqui. Eles andam aí, ninguém duvide disso: proto-fascistas, cripto-fascistas, neo-fascistas, nacionalistas, identitários. E, como se viu, possuem um elevado poder de congregação em torno de uma causa. A vitória de Salazar não é um pormenor de somenos: revela claramente um distanciamento do povo [esse grande desconhecido] em relação ao sistema democrático e, sobretudo, aos agentes do sistema democrático. Enquanto a honestidade for o valor mais alto para o povo, sempre os políticos desta democracia perderão para Salazar-mito. E digo isto com todo o pesar do mundo.
Etiquetas: concurso Grandes Portugueses, democracia, fascismo, Salazar
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