Passeio Público
Num dos seus livros, o antropólogo Alfred Gell aludia ao encantamento que a tecnologia produz no público, encantamento que procede da dificuldade que temos em conceber um objecto tecnológico ou artístico como fazendo parte do mundo palpável e que só nos é acessível por um processo técnico que, transcendendo a nossa compreensão, nos força a concebê-lo como mágico.
Na realidade, nem todo o encantamento é mágico e nem toda a magia é encantatória. Pelo menos se não nos ativermos ao significado habitual de “encantamento”, moldando em nós o lugar do deleitoso e do admirável. Uma parte do “feitiço” da tecnologia revela-se negra e perigosa e isso tornou-se manifesto após as bombas de Hiroxima e Nagasáqui.
Neste contexto entroncam as desconfianças e incertezas que justamente empatam o processo de queima de resíduos na fábrica de cimento da Cimpor, em Souselas, e, mais recentemente, a instalação de uma central termoeléctrica (Central Térmica de Ciclo Combinado) em Taveiro.
Em Souselas, o presidente da Junta de Freguesia, João Pardal, lamenta as lacunas na informação ambiental, responsabilizando a apatia da Cimpor e das entidades reguladoras do ambiente. As nuvens de pó que por vezes envolvem a cimenteira, a morte de peixes no rio Botão ou o malogro discreto da cobertura vegetal são alguns dos incidentes que desencadeiam a reacção preocupada de Pardal. A suspeição dos habitantes de Souselas relativamente aos supostos malefícios ambientais da Cimpor aumenta num cenário de sonegação de dados, que poderiam contribuir para a identificação dos problemas referidos.
Julgo não ser necessário sublinhar a importância do estabelecimento de protocolos de confiança mútua entre o tecido empresarial, as entidades reguladoras e as populações. A troca de informação não encorpa um gesto demasiado complexo. Até porque a nova directiva europeia relativa à responsabilidade ambiental acaba de ser transposta para o direito nacional. Os silêncios e os segredos desaparecem num cansaço enlutado de derrota.
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