Estéticas da Morte #trinta e três
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O mundo e os homens são antigos. Os pecados também. Afinal, os nossos defeitos são ingénitos, naturais: quase sempre a moral cede perante a vontade. Foi no séc. IV, e no Egipto, que um certo Evágrio Pôntico, monge grego, identificou e descreveu (para sua perene glória) os oito males espirituais que acometiam a humanidade e provocatoriamente vexavam e atropelavam a ordem doutrinária judaico-cristã. Quando, no séc. VI, o papa Gregório Magno tomou conhecimento da lista de Evágrio, redefiniu-a face ao cânone da Igreja de Roma. Nasciam os sete pecados capitais.
Embora naquela época as inquietações teológicas fossem bem diferentes do que são hoje, os pecados catalogados por S. Gregório sobreviveram à indeclinável rasura do tempo e permaneceram intocados no catecismo até há bem pouco tempo. Aos sete pecados canónicos, vinculados à culpa individual, a Igreja Católica acrescentou (oficiosamente) outros comportamentos pecaminosos: as experiências científicas com seres humanos, a pobreza, a manipulação genética, a injustiça social, a riqueza desmedida, a toxicodependência e a poluição do ambiente.
Este último pecado é especialmente interessante. Mais que uma falha privada parece configurar uma transgressão social. Se uma instituição multissecular como a Igreja Católica demorou tanto tempo a associar as ofensas ao ambiente a uma conduta (individual ou societária, não interessa) moralmente inaceitável, não devemos ceder à perplexidade quando lemos que uma simples “escada de peixe” (uma espécie de rampa em cascata que permite aos peixes ultrapassar obstáculos artificiais motivados por construções humanas) no Açude-Ponte do Rio Mondego, em Coimbra, se conforma ao mísero estado de projecto, de esboço de papel, com 30 anos.
Um rio é um sistema biológico complexo e frágil. Um transtorno ecológico a montante tem consequências a jusante, e vice-versa. A inexistência de uma estrutura que facilite a transposição do Açude impede um grupo de espécies piscícolas, como a enguia, a lampreia, o sável ou a savelha, de subir o rio e aí prosseguirem o normal paradigma biológicos de crescimento e reprodução.
A construção do Açude-Ponte do Rio Mondego na década de 1980 impôs uma pressão pungente sobre o ciclo reprodutivo de algumas espécies de peixes. Ao prejuízo ecológico soma-se o risco de perdas económicas: a gastronomia associada à lampreia, por exemplo, sustenta uma valia maior em concelhos como os de Penacova ou Montemor-o-Velho.
O deputado Miguel Almeida, do grupo parlamentar do PSD, vai apresentar um requerimento à Assembleia da República, reclamando explicações sobre o adiamento reiterado de um projecto essencial à manutenção da biodiversidade do Rio Mondego a montante da cidade de Coimbra. Em 2006, os Amigos do Mondego e Afluentes haviam feito o mesmo, sem resultados práticos. São 30 anos de esquecimento e desleixo. A incúria não é pecado, mas deveria ser.
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