Estéticas da Morte #cinquenta e três
Um velho espia-me, sentado. Porque me olhas assim, paizinho? Porque perdes o teu tempo comigo, tu que não tens mais tempo para desperdiçar? Sou o arremedo possível do que foste, sei bem que é isso que pensas. Mas, por favor, pára de olhar. Vive ainda, mais um pouco, como se amanhã pudesses esperar ainda outras manhãs. Esta manhã não te chega, paizinho? É tarde demais para chorar. As folhas do plátano caíram todas, já as levaram para longe os almeidas da junta, e tu, descansa, permaneces. Sem o troar de quedas e o assobio do vento - a tua anca recupera, não te preocupes. Ninguém te leva. Espias um pobre rapaz que não sabe o que dizer para que feches o olhar de uma vez por todas. A tua cabeça é ainda uma cavala fresquinha, não te enerves, vais a falar para a cova, vão ter que te calar, de certeza, com o Pascoaes na ponta da língua, lembras-te?, como se fosse o dia do exame em mil novecentos e trinta e coiso. Calça-te, vamos ver as árvores, assim não, ao contrário, essa pantufa?, sim, no outro pé. Anda, alminha. Pára de olhar. Vive mais um pouco, deixa-te ir.
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