Passeio Público
(Suspensão temporária das propinas)
O que se passa na Universidade de Coimbra (e em muitas outras universidades portuguesas) é tão grave que requer súplicas impossíveis, apoio enérgico, e medidas extremas. Muitos estudantes vêem-se confrontados com a anormalidade da crise e deixam de estudar por razões económicas; alguns, como na Universidade da Beira Interior, recorreram mesmo ao Banco Alimentar Contra a Fome. Não ter dinheiro para pagar as propinas, e desistir de estudar por causa disso: é esse o destino indiferente de centenas de estudantes, a transposição miserável de um qualquer cabo da desesperança.
Apesar da situação na UC não ser das mais trágicas, a Associação Académica de Coimbra decidiu manifestar-se, exigindo o reforço da acção social escolar. Felizmente, a solidariedade ainda é uma marca da academia conimbricense. Não obstante, o ar do tempo não se compadece com intercessões desanimadas. As exigências deveriam cultivar o excesso e a demagogia, o denodo selvagem dos zelotas. Nada receber, tendo pedido tudo: eis um desaire honroso, um destino preferível, apesar de tudo.
E se em vez de uma “suspensão temporária da democracia”, de acordo com os anseios “irónicos” de Manuela Ferreira Leite, os estudantes exigissem uma “suspensão temporária das propinas”?
Revolta e fogo gratuitos? Não me parece. Talvez um desafio à farsa da vida e, no mínimo, um repto mobilizador ao Governo. Ao país, sobretudo. O marasmo é sempre pior que um passo em falso.
Os bons leitores são uma espécie desprotegida e, por vezes, podem sentir-se atacados por esta espécie de provocação amigável. Ou melhor: por esta provocação utópica. Por vezes, reclamar o impensável é a única forma de urgir o futuro.
(Ontem, 25/03, no Jornal de Notícias)
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