Passeio Público
Há uns meses encontrava-me persuadido que a cultura e os movimentos culturais da cidade de Coimbra se encontravam, se não perdidos, pelo menos destinados a uma longa e dolorosa cruzada de desespero. Sinto agora que a situação podia ser pior. Erodida e irreversível. Consumada no desbarato tomado em mãos pela Câmara Municipal de Coimbra, sobretudo pela vereação da Cultura. Esta desconsideração camarária pela cultura (convicta e reiterada) manifesta-se, por exemplo, nesse “dramma comico” que envolve “O Teatrão”, a “Escola da Noite” e alguns equipamentos culturais como a Oficina Municipal do Teatro e o Teatro da Cerca de S. Bernardo.
Enfim, o sol de verão amansa a melancolia da inépcia camarária. O mesmo sol, escrevia em 1962 o humorista José Vilhena, “com que Deus brinda o povo português com a ingénua intenção de o distrair de tanta miséria”.
Felizmente, agora vislumbro, para além deste sol neuroléptico, toda a inquietação, todo o desembaraço e todo o talento de um grupo de mulheres e homens que, protegidos apenas pelas suas qualidades ingénitas, afeiçoam e compõem uma genealogia cultural de excelência numa cidade em que o poder autárquico declinou as suas funções de apoio à cultura.
Isto dito, personalizemos os encómios - os panegíricos em paisagem indefinida têm o inconveniente de poderem ser apropriados até por aqueles que os não merecem.
Em primeiro lugar, José Miguel Júdice e o Hotel Quinta das Lágrimas. A inauguração da belíssima Colina de Camões, um espaço cultural ao ar livre, seria, por sim mesma, um acontecimento assinalável. Contudo, o “sonho partilhado” do antigo bastonário da Ordem dos Advogados com a sua mulher, a arquitecta Cristina Castel-Branco, é também um “sonho dos outros”, de Coimbra. Júdice não só entrega à cidade um novo espaço de cultura como defende a sua utilização gratuita pelos agentes culturais conimbricenses.
Por fim, um agradecimento a Manuel Portela. O reconhecimento aqui não se refere ao excepcional académico, ensaísta, tradutor e poeta; imputa-se, sim, ao seu trabalho enquanto director do Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV). No momento em que Isabel Nobre Vargues toma posse da direcção do TAGV, a gestão cultural de Manuel Portela à frente daquela instituição deve ser rememorada como uma administração de excelência apoiada em orçamentos de penúria.
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