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30.9.07

Passeio público

Quinta-feira, 27-09, no Jornal de Notícias

Por estes dias paira uma espécie de véu negro sobre a Alta de Coimbra. Não falo sequer de nuvens escuras e trovoadas, parece que o sol agora veio mesmo para ficar. Refiro-me aos “doutores” (esvoaçantes capas negras) e aos desventurados (mas felizes) caloiros que os seguem bovinamente. Ao longe, apercebo indistintamente as cantorias desafinadas, as ordinarices de inspiração pimba, a monótona repetição de vulgaridades em actos e palavras. O meu pensamento convoca ainda, numa mescla despudorada, alegres idas ao vinho, humilhações e vitupérios, atitudes totalitárias latentes, gargalhadas e divertimento, olhares de reconhecimento, a confusão dos penteados destruídos. É rápido o destino dos caloiros, mais que todos sofrerão (dispensemos Aquiles desta reflexão). A praxe é dura, mas é a praxe.

Tenho a mão injusta. Julgo a praxe com a vantagem do tempo e da maturação das ideias. Quando entrei para a Universidade a praxe foi apenas o festivo momento em que conheci gente nova, o decisivo momento que simbolizou o meu sucesso enquanto estudante que conseguiu aceder a um curso superior. O momento em que todos ficaram a saber que o crime foi bem sucedido. Mais tarde, já no campo dos que vestiam de negro, a praxe continuou a funcionar apenas como um divertimento inofensivo, como uma ocasião iniciática.

Libertando-me de qualquer preconceito e interpretação crítica da praxe, reconheço-a, enquanto costume ou hábito institucional (recordemos que as praxes são comuns noutras instituições, como o exército), como um projecto ritual de iniciação. São ritos que marcam o início de uma mudança radical de regime ontológico e estatuto social do neófito (isto é, o caloiro). E que podem, de facto, facilitar a integração dos novos estudantes universitários nos usos e na “tradição” que a velha Universidade carrega, como um fardo e como uma bênção, em simultâneo.

Não sejamos, porém, ingénuos. Há praxes divertidas (em que todos se submetem voluntariamente) mas também há práticas de humilhação reiterada e mesmo de violência física e psicológica. Quando a praxe se torna o anfiteatro simbólico da arrogância, do totalitarismo e alienação, onde proto-ditadores e ex-caloiros vingativos celebram desmandos e malbaratam frustrações, toda e qualquer ideia de “tradição”, respeito e liberdade se estilhaça. O mesmo se pode afirmar quando a praxe reifica a ideia de hierarquia e de sujeição à ordem estabelecida ou quando reproduz os preconceitos sexistas, racistas ou homofóbicos da nossa sociedade.

Ninguém tem o direito de acabar com a praxe. Mas também ninguém tem o dever e o compromisso de ser praxado, apenas porque alguém lhe diz: “é assim!”. Há sempre outras maneiras de integrar as pessoas em novas realidades.

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25.9.07

Das coisas deste mundo

Isto é sempre assim. É Portugal. É o nosso país. É a confusão e o deixa andar, o dolce far niente burocrático [em estrangeiro soa sempre melhor]. É sempre assim. Sou eu. Um ser babélico, dado à desordem. As aulas começaram há duas semanas e só hoje percebi que ando a leccionar nos dias errados - o outro professor apareceu finalmente e deu de caras comigo, alapado no lugar dele, quando contava só com as miúdas do 3.º ano. Ainda por cima o professor da disciplina rival. Ah, pois, que as disciplinas também são danadas para a ciumeira e para a luta de classes. Ele até pode ser melhor professor que eu [e é] mas é gordinho e ligeiramente calvo e ensina sociologia. Tenho pelo menos três vantagens sobre ele, toma! O que é certo é que às dez da manhã eu estava despachado das aulas e das minhas seis alunas. FNAC com o menino. O B. faz hoje anos [a propósito, parabéns!] e como ele me pediu o último livro do Carlos Castro [Solidão povoada, Ed. Livros D'Hoje] lá fui eu fazer o jeito ao rapaz. Entrei, passei aquela parte - mais fixe - dos computadores e das têvês e parei junto ao Malhadinhas. [Suspiro]. Porra, pensei eu, vou ter que lê-lo outra vez. E li mesmo. Duas horas, em pé e de t-shirt amarela. Já não levas o Carlos Castro, pá. [Também não levas o Malhadinhas, esperem lá que já vos conto]. Já li o Malhadinhas algumas cinco ou sete vezes. Depois de O Corsário Verde [o Salgari é outro que já ninguém lê] é o livro que já li mais vezes. É uma obra prima, é genial, é fantástico, é de rir. Aquilo é uma anedota de cento e tal páginas e digo isto como elogio. O B. faz anos mas ainda está longe dos 50. Como disse o Eduardo, quase ninguém com menos de 50 anos lê o Aquilino. Por isso achei melhor comprar-lhe o XXX do YYY [amanhã digo, não quero estragar a surpresa ao aniversariante]. É daqueles que a malta dos blogues gosta. Aprovado, magna cum laude, pelos gerontes da crítica. Não tem piada nenhuma, o livro. Até o título dá seca. Desculpa lá B. Eu empresto-te o livro do gajo de Barrelas. E depois dizes-me se eu tenho ou não tenho razão.

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Is that enough?

A vida é um projecto de destruição e aniquilamento. Nem mais nem menos.

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24.9.07

A kiss over a cup of tea


Gostaria de forçar o silêncio. Sabem o que se passou? Eu recordo-me bem, as partículas daquele tempo assentaram de forma perfeita sobre a minha memória, agora cada vez mais descuidada. Havia dois desejos e uma chávena de chá. O cheiro suave da pele. Um frémito nos lábios que lançaram a derradeira questão, respondida naquele único momento como se fosse para sempre. Disse bem, para sempre.

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22.9.07

Senescência

Eluding death seemed to have become the central business of his life and bodily decay his entire story.
[Philip Roth, Everyman, pág. 71]

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Pragmatismo

-E queres largar à toa por essas serranias fora?
-Sim, padre, armada apenas do sinal da cruz.
-Grande arma é essa, não haja dúvida. Há, porém, ocasiões em que uma boa clavina não é para rejeitar.
[Aquilino Ribeiro, Andam faunos pelos bosques, pág. 79 ]

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21.9.07

The smell of your simple city dress #four

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The last Neanderthal [cont.]


Uma nota positiva: não jogaremos com a França. Os franceses têm um jogador chamado Sébastien Chabal que é interessante na medida em que, não sendo um intelectual, desmentiu categoricamente Charles Darwin. Chabal anda a evoluir ao contrário desde que nasceu, em 1977. Começou como Homo sapiens sapiens [há fotografias que o comprovam] e, num espaço de 30 anos, está feito um Homem de Neanderthal. Trata-se de um indivíduo que, no Torneio das 6 Nações de 2010, se apresentará, com toda a certeza, já na qualidade de gorila.

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20.9.07

Passeio público


Quando a letargia de Agosto foi pulverizada por um grupo de activistas que, em Silves, destruiu um hectare de milho transgénico, um país sonolento e alheado despertou, mesmo que pelas razões erradas, para a problemática questão dos organismos geneticamente modificados (OGM). A deplorável acção do auto-denominado grupo ecologista “Verde Eufémia” (nem sequer vale a pena perder tempo glosando a apropriação indevida do nome de Catarina Eufémia por “ambientalistas” radicais e um pouco idiotas), inédita em Portugal, entronca na ânsia de espectáculo das sociedades subjugadas pela hiper-mediatização do real.

A estética alternativa, a violência folclórica, o desrespeito pela propriedade privada e a moral ecológica de cariz jesuítico deste tipo de organizações são, pois, boas razões para se escrever uma crónica mas interessa-me sobretudo reflectir sobre o que fomentou o protesto: a proliferação dos OGM, numa altura em que, lendo um jornal regional (Diário de Coimbra), fico a saber, não sem uma pontinha de assombro, que os férteis campos do Baixo Mondego produzem há muitos anos cereais transgénicos.

As boas (?) notícias: os cereais transgénicos (milho, sobretudo) não são para consumo humano mas destinam-se ao fabrico de rações para animais. As más (?) notícias: possivelmente eu (ou um amável leitor) hei-de comer a carne de um desses animais. Isso será necessariamente mau?
O problema é esse, não sabemos. Apesar de Joel Figueiredo, fundador e dirigente da Associação Nacional de Produtores de Milho, presidente da União de Cooperativas Agrícolas do Centro (Unicentro) e presidente da Cooperativa de Coimbra, considerar que a engenharia alimentar e a engenharia genética são ciências que existem apenas para fomentar o bem-estar da humanidade, não podemos partilhar, sem reservas, o seu optimismo em redor de uma matéria ainda distante de quaisquer consensos científicos.

O admirável mundo novo da engenharia genética transporta o logro da ciência optimista dos sécs. XVIII e XIX: a de que o progresso é imaginável sem que haja consequências perigosas e potencialmente nocivas. Esta tese é, evidentemente, falsa. Quando se abre a caixa de Pandora tem que se ter a noção dos males que serão libertados. É o mínimo exigível quando se faz ciência responsável.

É por isso que quando apresentam os produtos da biotecnologia alimentar sob o prisma do aperfeiçoamento eu desconfio. É certo que as colheitas mais numerosas podem, hipoteticamente, reduzir a fome no mundo. Os OGM garantem, indubitavelmente, uma elevada rentabilidade e produtividade. Mas as culturas modificadas podem, também, transmitir os novos genes às variedades selvagens afins e fomentar a resistência dos insectos aos pesticidas. O engenheiro Joel Figueiredo garante que, no Baixo Mondego, uma parte importante das produções tradicionais de cereais é corrompida pela “polinização cruzada”. A legislação nacional neste domínio deve, pois, recatar-se na dúvida e na prudência, acautelando a libertação de forças que poderão ser incontroláveis.

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Lidos

Jardim das Tormentas [1913]
Filhas de Babilónia [1920]
Estrada de Santiago, onde se inclui o Malhadinhas [1922]
Andam Faunos pelos Bosques [1926]
A Batalha sem Fim [1932]
As Três Mulheres de Sansão [1932]
Quando ao Gavião Cai a Pena [1935]
Os Avós dos Nossos Avós [1942]
Volfrâmio [1943]
Lápides Partidas [1945]
Caminhos Errados [1947]
Cinco Réis de Gente [1948]
A Casa Grande de Romarigães [1957]
Quando os Lobos Uivam [1958]
Dom Frei Bertolameu. As três desgraças teologais [1959]
O Romance da Raposa [1959]

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3 títulos para a história

Um grande escritor no Panteão
Judas em Alvalade
Um grande treinador despede-se

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19.9.07

100 anos de paixão: só eu sei porque não fico em casa #50

The smell of your simple city dress #three

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18.9.07

The last Neanderthal



[Sébastien Chabal aka The Caveman]

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17.9.07

A febre: recomeço

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The smell of your simple city dress #two


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The smell of your simple city dress


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14.9.07

100 anos de paixão: só eu sei porque não fico em casa #49


[Num túmulo megalítico um antropólogo lagarto fica visivelmente satisfeito (aliás, emocionado) quando encontra uma sua imberbe parenta: a osga (Tarentola mauritanica). Ele há óptimas coincidências! Assim vale a pena sair de casa bem vestido.]

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French music #four

Queens of the stone age - Burn the Witch
[Burn the witch Burn to ash & bone ]

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13.9.07

A física do físico

Como pude ignorar existirem no Universo coisinhas do tamanho de "comprimento de Planck", isto é, um milionésimo de milimilionésimo de milimilionésimo de milimilionésimo de centímetro? Imagine-se, se se deixa cair uma coisinha destas no cinema às escuras, a dificuldade que será encontrá-la.
[Woody Allen, Pura Anarquia, pág. 123]

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12.9.07

Passeio Público

Setembro é o mês de todos os regressos. Refiro-me, particularmente, aos estudantes. Após um mês de mansa vilegiatura, de descanso e de recreação, em Coimbra, prepara-se agora o palco de mais uma dramaturgia na vida do aluno arquetípico da Universidade, tantas vezes (mas cada vez menos) um peregrino de outras terras que se torna hóspede temporário da cidade.
Enquanto alguns estudantes desbotam o bronzeado sobre as páginas dos calhamaços ou bebem as últimas cervejas da estação, outros, os "de fora", começam a procurar as casas que lhes hão-de acolher os ossos e a existência durante o quase sempre penoso e fatigante ano lectivo. Se considerarmos que, dos quase trinta mil alunos que todos os anos frequentam a Universidade e os Politécnicos de Coimbra, cerca de metade provém de quase todos os cotovelos do país, aferimos facilmente a envergadura e as potencialidades do negócio de arrendamento na cidade.
É certo que alguns (muito poucos) privilegiados, com pais abastados e pródigos ou família chegada na cidade, se acomodam de forma diversa a quem tem que arrendar casa ou quarto, negociando um T1 perto das escolas ou experimentando viver finalmente com a avó ou os tios que nunca tiveram filhos. Não obstante, a maior parte resigna-se a buscar o pragmático quarto (de preferência, em apartamento sem senhorio) nos painéis dispersos pelas faculdades ou nos jornais regionais, resignando-se como Job aos preços imoderados (quase sempre discricionários) e, às vezes, às deploráveis condições de habitabilidade dos aposentos arrendados.
Deixem-me contar-vos uma pequena história. Não há muitos anos, frequentava eu a licenciatura em Antropologia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, fui compelido a efectuar um daqueles "trabalhos de grupo", usuais em qualquer curso universitário, no apartamento de um colega. O prédio onde ele morava, esconso e decrépito, espraiava-se melancolicamente numa das ruas da Alta, junto à Faculdade de Psicologia. Era uma noite de Inverno e chovia na rua - mas também no quarto do meu amigo. Quase tanto como lá fora. Julgo, sem todavia ter qualquer certeza, que os ratos e outras bichezas eram visita trivial daquela casa onde, para chegar ao seu próprio quarto, o meu colega era obrigado a permear silenciosamente a câmara habitacional da senhoria, enferma e sempre acamada. Os odores da casa debandavam para além do inominável e os móveis acumulavam tanto pó que quase se podia sustentar ali uma pequena horta. Fez-se o trabalho, obviamente, mas em outro local, mais aprazível a tarefas escolares. Ali não se vivia, sobrevivia-se.
Felizmente, parece-me que as coisas mudaram um pouco. Numa notável iniciativa, a Associação Académica de Coimbra emite, de algum tempo a esta parte, certificados de habitabilidade que asseveram o valor dos apartamentos para arrendar à comunidade estudantil. Uma comissão de alunos visita as casas e julga-as de acordo com um conjunto de critérios de qualidade, dando-as (ou não) como passíveis de serem ocupadas por estudantes. Numa conjuntura em que, tanto a Reitoria da Universidade como a Câmara Municipal, se demitiram do seu dever de fiscalização, esta é a única maneira de assegurar alguma probidade no anguloso mercado do arrendamento conimbricense.

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8.9.07

Uma possibilidade de história

Desalento, o inimigo judicioso da palavra. Che fare? [Conhecia os Noivos de Manzoni]. Por vezes Deus lembra-se que é infinitamente bom.

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7.9.07

Serenidade térmica

Gostava de te ler aquele poema em que o poeta diz Este céu passará e então teu riso descerá dos montes pelos rios até desaguar no nosso coração. Depois podíamos dormir abraçados a sonhar um com o outro.

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6.9.07

Passeio público

Das convulsões da modernidade assoma um mundo dicotómico, sustentado, por um lado, num ininterrupto estado de turbilhão e devir, e, por outro, firmemente radicado na materialidade da “tradição”. Afinal, o que é a “tradição”? Talvez seja uma concepção do passado (os seus costumes e crenças) em que este se descobre encerrado numa espécie de casulo ou de estase, comparável ao paradigma da imagem da eternidade. Imutável, cristalizado, perpétuo. Ou será, porventura, uma reverberação – um reflexo – do mesmo passado, mas estimulado pela passagem do tempo e pelas transformações e rasuras que lhe são próprias?

Confesso que me agrada mais esta derradeira ideia do que é a “tradição”, despreocupada com a “autenticidade” dos hábitos, convicções ou ritos. Quando a inquietação com a autenticidade é levada ao paroxismo, a vida submerge num manto atávico e estático.

Demoremos um pouco o nosso olhar no fado/canção de Coimbra. José Afonso, Hilário, Carlos Paredes, António Menano ou Adriano Correia de Oliveira são alguns dos nomes canónicos desta paisagem musical e estética. Não sem alguma perplexidade, noto a ausência pungente de antropónimos femininos. O fado de Coimbra celebra as mulheres mas não tolera que elas o cantem. Não há Amálias, Marizas ou Severas em Coimbra. Existe antes uma autenticidade artificialmente construída: os estereótipos e preconceitos masculinos são reificados e as mulheres, se quiserem, ouvem e aplaudem.

Contrariando este encerramento “evolutivo” do fado de Coimbra, Cristina Cruz lançou, no início do ano, um disco (“Coimbra menina do meu olhar”) em que é a voz de uma mulher que interpreta a canção coimbrã. Um verdadeiro atentado à tradição e ao costume, para os mais conservadores e puristas: portas fechadas, sempre fechadas, mais fortes que uma parede de pedra. Prefiro pensar neste disco como uma recriação no feminino da canção de Coimbra, respeitando o passado sem a ele se submeter.

Confesso que ainda não ouvi a voz de Cristina Cruz. Não sei se, musicalmente, o seu disco é valoroso. Sei que há muitos que não gostam mas, se pensarmos bem, é sempre assim: uns gostam, outros não gostam e o mundo lá continua, à roda do sol, completamente indiferente a estas minúcias da vida. É como uma toalha no meio da tempestade, podia gritar – se pudesse – que ninguém a ia ouvir. Assim, o que importa é a calhoada no charco. O espoletar da reflexão.

O fado de Coimbra não morreu só porque agora uma mulher o canta. Ou melhor, talvez tenha acabado um pouco, para depois renascer. E depois da morte, sabemo-lo bem, o luto é tradição costumada. O que é certo é que a existência, bem ou mal, sempre avança e encontra novos rumos. Como gostava de dizer Salústio, quando não tinha mais nada para dizer: Faber est suae quisque fortunae. Qualquer homem é o artífice da sua própria sorte. Neste caso, uma mulher procurou a fortuna em jurisdição masculina. E nós só podemos ficar satisfeitos com isso.

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5.9.07

French music #three

[So I'll wait for you... And I'll burn... Will I ever see your sweet return? It's never over, All my blood for the sweetness of her laughter...]

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Sparrow falls

Senhor afasta da minha pele todo o mal, tenho medo da minha própria escuridão. Queria ser uma ilha mas sei, alguém o disse, que nenhum homem é uma ilha. Serei, talvez, uma península, amarrada à terra apenas pelas convenções mais simples e pelo somatório das notícias esquecidas nos pequenos jornais de província. A água - que me vai rodear, não tenhamos dúvidas disso - recordará a decisão peremptória dos úteros ancestrais, a sua protecção, o seu calor, a sua intimidade maior e única. Tenho receio da minha própria escuridão, Senhor. Das sombras que crio mesmo sem haver luz. Senhor não deixes que os pardais caiam enquanto ainda aprendem a voar.

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No futuro

-Mas hei-de fazer com que me perdoe. Há-de esquecer. Achas que vai esquecer? Não pode ficar sempre zangado.
-Acho que não vai ficar zangado para sempre - disse Bogdan.
-Prometi-lhe que nunca mais o abandonava.
-Excelente promessa.
[Susan Sontag, Na América, pág. 350]

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4.9.07

Devo parecer a morte


Não escrevi nada. Nem podia. Fui depressa demais ao tesouro escondido sob a terra batida, de passos incansáveis. As crianças sorriam à minha volta. Eu não. Procurei com afinco [aliás, com raiva], fuçando os torrões e as pedras. Encontrei-o, claro, esteve sempre lá. Mas não se deixou arrancar do seu nicho; alcançá-lo assim seria uma violência inusitada, de vistas estreitas. Agora, julgo ver ao longe a placidez da morte. O descanso perpétuo das sepulturas. Um juízo infindo. Atravesso planícies ensombradas pela aporia. A incerteza é a mãe de todas as dores.

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Saltar para o vazio

Atravessarás o deserto. E haverá um herói civilizador sentenciando a tua desistência ou a tua traição.

[Luís Quintais, Angst, pág. 21]

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3.9.07

Ciao


[E ainda hoje não sabemos quem é o Bruno]

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Passeio público

Quarta-Feira, 29/8, no Jornal de Notícias
[Estado de urgência]

O Serviço Nacional de Saúde (SNS), ideado e formado há 27 anos sob a égide de António Arnaut, vem sendo alvo de expressivas transformações. Naturalmente. Nenhum sistema estatal (ou privado) de saúde é perfeito, irrepreensível. Apesar disso, a qualidade intrínseca do SNS é reconhecida e validada por quase todos, a começar pela Organização Mundial de Saúde que o acomodou em excelente posição (12.ª) no panorama mundial, na dianteira de países como os Estados Unidos da América ou a Grã-bretanha. É, portanto, incontroverso o contributo prestado pelo SNS no sentido de melhorar e burilar os indicadores de saúde do país, que são comparáveis aos dos países mais desenvolvidos. Em concomitância, o SNS constitui-se enquanto inexorável via de solidariedade e desagravamento das disparidades sociais e económicas.
Os defeitos e as carências que afligem este serviço são conhecidos e, por economia de discurso, podemos limitá-los a problemas de gestão e organização. Com o argumento de aumentar a eficiência e a qualidade dos serviços, de contrariar a dissipação de meios e de suportar a sustentabilidade do sistema foram encerradas maternidades e serviços de atendimento permanente (SAP), uma nova rede de urgências está a ser implementada e as taxas moderadoras foram agravadas (para evitar que as pessoas instalassem o “clube” no centro de saúde). Procura-se cumprir um plano estrito de racionalização do SNS.
No seguimento deste ímpeto reformador foram fechados, até Abril deste ano, 24 SAP em todo o país. Destes, a grande maioria (não menos que 18) foi encerrada na região centro. O primeiro a desaparecer foi o SAP do Centro de Saúde Norton de Matos, em meados de 2006. No segundo semestre do ano transacto muitos mais sucumbiram ao vigor das reformas, ou estão em vias disso: Penacova, Lousã, Montemor-o-Velho, Miranda do Corvo, Vila Nova de Poiares, Condeixa-a-Nova, entre outros.
Uma das sequelas do encerramento destes Serviços de Atendimento Permanente foi o aumento das urgências dos hospitais no final do ano de 2006, nomeadamente do Centro Hospitalar de Coimbra (CHC) e nos Hospitais da Universidade (HUC). Será, porventura, cedo para discernir aqui uma tendência: o pico de confluência aos bancos ocorre durante os meses invernais, particularmente devido às constipações e gripes. Este ano, o Ministério da Saúde alertou para uma afluência incomum, apesar de não ter sucedido nenhum surto gripal. No entanto, a manter-se, este pendor torna-se inquietante porque o aumento das urgências nos HUC e CHC vai inevitavelmente absorver os recursos hospitalares em detrimento de outros serviços. Mas esta é somente uma consideração economicista.
É que, apesar de tudo, as “urgências” dos centros de saúde iam funcionando como refúgio e amparo dos mais pobres, dos mais velhos, dos deserdados das terras interiores (que agora se agarram a preces e orações nos 30 minutos ou mais que levam a chegar às urgências dos HUC ou CHC). Em suma, dos mais indefesos. Uma dicotomia primária: de um lado a economia, do outro as pessoas. Por agora, a razão económica leva a melhor sobre a humanização da saúde. Ultimamente tem sido assim.

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