Passeio público
Quarta-Feira, 29/8, no Jornal de Notícias
[Estado de urgência]
O Serviço Nacional de Saúde (SNS), ideado e formado há 27 anos sob a égide de António Arnaut, vem sendo alvo de expressivas transformações. Naturalmente. Nenhum sistema estatal (ou privado) de saúde é perfeito, irrepreensível. Apesar disso, a qualidade intrínseca do SNS é reconhecida e validada por quase todos, a começar pela Organização Mundial de Saúde que o acomodou em excelente posição (12.ª) no panorama mundial, na dianteira de países como os Estados Unidos da América ou a Grã-bretanha. É, portanto, incontroverso o contributo prestado pelo SNS no sentido de melhorar e burilar os indicadores de saúde do país, que são comparáveis aos dos países mais desenvolvidos. Em concomitância, o SNS constitui-se enquanto inexorável via de solidariedade e desagravamento das disparidades sociais e económicas.
Os defeitos e as carências que afligem este serviço são conhecidos e, por economia de discurso, podemos limitá-los a problemas de gestão e organização. Com o argumento de aumentar a eficiência e a qualidade dos serviços, de contrariar a dissipação de meios e de suportar a sustentabilidade do sistema foram encerradas maternidades e serviços de atendimento permanente (SAP), uma nova rede de urgências está a ser implementada e as taxas moderadoras foram agravadas (para evitar que as pessoas instalassem o “clube” no centro de saúde). Procura-se cumprir um plano estrito de racionalização do SNS.
No seguimento deste ímpeto reformador foram fechados, até Abril deste ano, 24 SAP em todo o país. Destes, a grande maioria (não menos que 18) foi encerrada na região centro. O primeiro a desaparecer foi o SAP do Centro de Saúde Norton de Matos, em meados de 2006. No segundo semestre do ano transacto muitos mais sucumbiram ao vigor das reformas, ou estão em vias disso: Penacova, Lousã, Montemor-o-Velho, Miranda do Corvo, Vila Nova de Poiares, Condeixa-a-Nova, entre outros.
Uma das sequelas do encerramento destes Serviços de Atendimento Permanente foi o aumento das urgências dos hospitais no final do ano de 2006, nomeadamente do Centro Hospitalar de Coimbra (CHC) e nos Hospitais da Universidade (HUC). Será, porventura, cedo para discernir aqui uma tendência: o pico de confluência aos bancos ocorre durante os meses invernais, particularmente devido às constipações e gripes. Este ano, o Ministério da Saúde alertou para uma afluência incomum, apesar de não ter sucedido nenhum surto gripal. No entanto, a manter-se, este pendor torna-se inquietante porque o aumento das urgências nos HUC e CHC vai inevitavelmente absorver os recursos hospitalares em detrimento de outros serviços. Mas esta é somente uma consideração economicista.
É que, apesar de tudo, as “urgências” dos centros de saúde iam funcionando como refúgio e amparo dos mais pobres, dos mais velhos, dos deserdados das terras interiores (que agora se agarram a preces e orações nos 30 minutos ou mais que levam a chegar às urgências dos HUC ou CHC). Em suma, dos mais indefesos. Uma dicotomia primária: de um lado a economia, do outro as pessoas. Por agora, a razão económica leva a melhor sobre a humanização da saúde. Ultimamente tem sido assim.
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