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20.9.07

Passeio público


Quando a letargia de Agosto foi pulverizada por um grupo de activistas que, em Silves, destruiu um hectare de milho transgénico, um país sonolento e alheado despertou, mesmo que pelas razões erradas, para a problemática questão dos organismos geneticamente modificados (OGM). A deplorável acção do auto-denominado grupo ecologista “Verde Eufémia” (nem sequer vale a pena perder tempo glosando a apropriação indevida do nome de Catarina Eufémia por “ambientalistas” radicais e um pouco idiotas), inédita em Portugal, entronca na ânsia de espectáculo das sociedades subjugadas pela hiper-mediatização do real.

A estética alternativa, a violência folclórica, o desrespeito pela propriedade privada e a moral ecológica de cariz jesuítico deste tipo de organizações são, pois, boas razões para se escrever uma crónica mas interessa-me sobretudo reflectir sobre o que fomentou o protesto: a proliferação dos OGM, numa altura em que, lendo um jornal regional (Diário de Coimbra), fico a saber, não sem uma pontinha de assombro, que os férteis campos do Baixo Mondego produzem há muitos anos cereais transgénicos.

As boas (?) notícias: os cereais transgénicos (milho, sobretudo) não são para consumo humano mas destinam-se ao fabrico de rações para animais. As más (?) notícias: possivelmente eu (ou um amável leitor) hei-de comer a carne de um desses animais. Isso será necessariamente mau?
O problema é esse, não sabemos. Apesar de Joel Figueiredo, fundador e dirigente da Associação Nacional de Produtores de Milho, presidente da União de Cooperativas Agrícolas do Centro (Unicentro) e presidente da Cooperativa de Coimbra, considerar que a engenharia alimentar e a engenharia genética são ciências que existem apenas para fomentar o bem-estar da humanidade, não podemos partilhar, sem reservas, o seu optimismo em redor de uma matéria ainda distante de quaisquer consensos científicos.

O admirável mundo novo da engenharia genética transporta o logro da ciência optimista dos sécs. XVIII e XIX: a de que o progresso é imaginável sem que haja consequências perigosas e potencialmente nocivas. Esta tese é, evidentemente, falsa. Quando se abre a caixa de Pandora tem que se ter a noção dos males que serão libertados. É o mínimo exigível quando se faz ciência responsável.

É por isso que quando apresentam os produtos da biotecnologia alimentar sob o prisma do aperfeiçoamento eu desconfio. É certo que as colheitas mais numerosas podem, hipoteticamente, reduzir a fome no mundo. Os OGM garantem, indubitavelmente, uma elevada rentabilidade e produtividade. Mas as culturas modificadas podem, também, transmitir os novos genes às variedades selvagens afins e fomentar a resistência dos insectos aos pesticidas. O engenheiro Joel Figueiredo garante que, no Baixo Mondego, uma parte importante das produções tradicionais de cereais é corrompida pela “polinização cruzada”. A legislação nacional neste domínio deve, pois, recatar-se na dúvida e na prudência, acautelando a libertação de forças que poderão ser incontroláveis.

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