(Santos da casa)
A campanha eleitoral para as eleições legislativas termina hoje, felizmente. Falou-se pouco, e com desconhecimento, do que realmente interessa: a crise da economia, da educação ou da justiça. Não é difícil assacar a alguém a responsabilidade por este alheamento quase generalizado face aos problemas fundamentais do país. Sem que seja necessária uma meditação profunda (algo que me acontece mais vezes do que menos) surge na minha cabeça o nome do Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva. Ele foi a estrela injustificada desta campanha que ora finda.
A política portuguesa está menos sentimental e, porventura, mais ardilosa e capciosa. Prosperam as condições que facilitam o surgimento de fábulas manhosas, ideadas por frouxos leitores do esplêndido Maquiavel, que o tresleram e adulteraram, e caucionadas por comentadores que partilham o mesmo território ideológico e um espírito pouco sagaz. O “caso das escutas” (como, aliás, o fabulário em redor da “asfixia democrática” e das “agendas furtivas de coligação pós-eleitoral”) abastardou o combate eleitoral, que se afastou irremediavelmente da discussão dos temas importantes ou da competência política dos candidatos.
Na campanha em Coimbra, perante a impossibilidade de recorrer a “não-assuntos” como armas de arremesso (mas não deixamos de notar o levantamento da lebre “Rui Teixeira, juiz”, pelo Professor Paulo Mota Pinto), os esforços da “política (de) rasteira” concentraram-se na naturalidade dos candidatos e na sua ligação, ou não, à cidade. Para alguns, só os santos da casa é que fazem milagres.
A Dr.ª Ana Jorge é a única cabeça de lista que não tem qualquer ligação com Coimbra: não nasceu na Sé Nova, não estudou na Universidade, não trabalhou nos HUC. Fraco curriculum para apresentar aos fundamentalistas do “jus soli” e do “jus sanguini” (em concomitância), aqueles que entendem que os candidatos por Coimbra só podem ser recrutados entre os filhos da terra, com ligações afectivas, familiares ou místicas à velha cidadela junto ao Mondego – na tradição do ideário de aversão ao Outro, ao “estrangeiro”. Parecer-me-ia mais correcto que se analisasse a capacidade política de Ana Jorge (que é muita), e não o seu local de nascimento. O problema é que isso parece-se demasiado com a política séria.
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