Passeio Público
Falta fazer uma etnografia das campanhas eleitorais em Portugal. De resto, poder-se-ia começar a investigação estudando a iconografia, os brindes (lembro com horror as saias de plástico com que nos quiseram comprar o voto durante a década de 1990) ou os carros de campanha que seguem os candidatos como fidelíssimos perdigueiros. Estudava-se a cultura material, portanto. Pedaços do mundo físico aos quais foi atribuído um valor cultural, como me foi ensinado há longos anos. A música, como é óbvio, teria um lugar de destaque em qualquer monografia deste tipo. Durante a campanha, os Zés-Pereiras coabitam com o Luís Cortez, e nas notas falhadas das gaitas de foles confessam-se alegrias e afectos, descontinuados, aqui e ali, por fiapos de melancolia.
O estudo (i.e., uma olhadela apressada) dos cartazes de campanha é particularmente interessante, e muito informativo. A fotografia dos candidatos é, normalmente, um logro à «genuína ilustração» (adulterando Kleist) dos mesmos. A fotografia convoca a experiência, reifica-a e certifica-a. As criaturas que aprisionam Cristo no “Ecce Homo” de Quentin Massys lembram-nos a dura lição: a cara de um homem não engana outro homem. Mas isto é a teoria. Na prática, quando olhamos distraidamente para os retratos de Horácio Pina Prata, Álvaro Maia Seco ou Carlos Encarnação não podemos ter a certeza de quem são aqueles homens; não podemos ter a certeza se o trabalho, o amor e a ambição correm sinceramente na expressão do seu olhar ou se são meros artifícios do Photoshop.
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