(Carnaval em segunda mão)
Acabou finalmente o período mais triste do ano. Durante três dias, de Ovar a Loulé, passando pela Mealhada e Figueira da Foz, milhares de foliões desprezaram os conhecimentos básicos da geografia e da meteorologia e ensaiaram mais um episódio do infeliz carnaval que nos calhou em sorte. Proclame-se o óbvio, de uma vez por todas: nem Portugal é um país dos trópicos soalheiros, nem os portugueses possuem, de um modo geral, grande aptidão para dançar o samba. A César o que é César e o mundo não leva a mal se alguém resolver que é melhor seguir um caminho inédito.
Nada me move contra os corsos luso-brasileiros, nem mesmo me impressionam as gentes seminuas que arruínam os ritmos do Brasil entre chuva, frio e trajes de má qualidade. Cada um sabe de si, e eu não sou nem mais nem menos que os outros. A realidade do carnaval luso-brasileiro excede a ínfima questão estética; a dúvida é outra e reclama, mais uma vez, os serviços das injustamente esquecidas ciências da geografia e da meteorologia.
O exemplo da Mealhada é paradigmático: muito samba, muita fantasia, muito frio e, este ano, menos pessoas a assistir. A razão para a cidade bairradina “imitar” o carnaval do Rio de Janeiro é incerta e nem sequer muito importante; contudo, parece-me embaraçosa a repetição anual de um cortejo onde, em vez de uma cadência carioca, se vêem apenas corpos a tiritar na frialdade atmosférica. Aquele cortejo, como tantos outros em Portugal, é estranho sem ser exótico, deslocado sem ser fascinante. Faz tanto sentido como ir à “Meta” comer picanha.
Começou a Quaresma e, afinal, o período mais triste do ano já faz parte do passado. Para o ano regressa o extravagante carnaval luso-brasileiro, pródigo em alegres figuras tristes. Afinal, apesar de importado é a imagem deste país: tristonho, frio e em segunda mão.
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