Enquanto ouço na TSF que agora é a vez do Algarve, com Lagos, Silves e Aljezur na testa de batalha, pleitear as flamas eversivas de um Verão já infame, perpassa pela minha mente a questão que por certo incomoda todos os portugueses com mais de 8 anos: de quem é a culpa?
Infelizmente para a nossa cada vez mais depauperada floresta, esta indagação não parece ter uma resposta fácil e perspícua. Se por um lado atrai a muitos considerar levianamente que a culpa é somente do Governo coetâneo (o do cherne), outros são prosélitos de teorias que advogam a culpa de um punhado de tolos socialmente desestruturados; dos Governos rosa (o do engenheiro, por exemplo) e laranja, alternadamente (os outros serão meros figurantes?); das empresas madeireiras, das empresas que combatem incêndios e mesmo dos bombeiros. É reconhecido de forma indubitável que o Governo conduzido por Durão Barroso cumulou uma sucessão de erros estratégicos que o torna, quanto a mim, como o principal culpado conjuntural da crise, digamos ambiental, de que o quadrado português padece. Todavia, considero que estes equívocos conjunturais são apanágio de grande parte da governação portuguesa, pré e pós 25 de Abril.
O questionamento cardinal, quanto a mim, deverá incidir sobre os erros estruturais de toda a governação portuguesa desde há muitos anos e que não se esgotam na falta de meios de combate de fogos, no mau ordenamento do território florestado, na quase inexistência de guardas florestais ou na não declaração atempada do estado de emergência.
O biólogo e professor na Universidade de Coimbra Jorge Paiva escreve, em artigo no Público, que “há notícias de incêndios florestais desde o século XII, mas não eram devastadores […] Isto porque a floresta era, nessa altura […], dominada por ‘folhosas’[…]”. Os culpados primordiais da catástrofe ecológica, económica e social actual, todos ausentes da cena política e social hodierna, são, pois, os fomentadores dos Descobrimentos, os responsáveis pela floresta de produção de pinheiros depois de meados de dezanove, os promotores da “eucaliptização” do país depois da segunda metade do século transcorrido e aqueles que, pela sua inércia, deferiram a desumanização do interior e do meio rural, com todas as consequências deletérias que esse fenómeno, designado de forma imprópria como desertificação, acarretou para a floresta.
Espero que os actuais governantes não continuem a desculpabilizar-se culpabilizando os ausentes. As memórias dos enganos em matéria florestal estão vivas em muitos centros de investigação universitários, em muitos professores, investigadores e institutos do estado. Reclamo, então, não um retorno ao passado mas sim uma aprendizagem com o passado. As medidas coercivas sobre eventuais pirómanos (tolos ou mercenários a soldo de madeireiras e empresas de meios aéreos), o aumento do número de bombeiros (mais profissionais, bem pagos) e de carros de combate a incêndios, não servirão de nada se o outrora “jardim à beira mar plantado”, de Camões, se metamorfosear num deserto de pedregulhos rodeado de eucaliptos clonados.
«Era uma noite maravilhosa, uma dessas noites que apenas são possíveis quando somos jovens […]. O céu estava tão cheio de estrelas, tão luminoso, que quem erguesse os olhos para ele se veria forçado a perguntar a si mesmo: será possível que sob um céu assim possam viver homens irritados e caprichosos?»
Fiodor Dostoiewski, Noites Brancas
p.s. Gonçalo Ribeiro Teles, o arquitecto paisagista e paladino do ambiente, numa entrevista concedida à Visão de 14 de Agosto, mostra e relembra meios de ordenamento florestal simples, diáfanos e, sobretudo, eficazes...