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29.11.03

Blue haze

escrevo qualquer coisa que não poderia deixar de dizer-te

qualquer coisa

que resgate a medusa e domestique a morte

à meia luz relembro o teu rosto os teus olhos pousados nos meus

timidamente azul uma luz ao longe

28.11.03

There

must be a way to take us back to where we were before.

Before all went wrong.

27.11.03

Depois

do Madrid, outra equipa de galácticos.

Vital Moreira, um dos heróis da Doutrina de Coimbra, escreve um post nostálgico sobre a cidade dos Doges e de Hugo Pratt. A saudada primeira incursão de Vital Moreira na blogosfera marcou-me sobretudo pela identificação do seu herói de banda desenhada favorito com o meu anti-herói favorito: Corto Maltese.

A aventura intérmina nas veias de um grande senhor.

26.11.03

Ontem na 2,

oportunidade para rever o magnífico Dogma, com Matt Damon e Ben Affleck em figuração angelical pouco ortodoxa.

E se de anjos falo, asseguro que este é um serafim.

“Até Deus tem sentido de humor. Afinal, foi ele que criou o ornitorrinco”
- Dogma, Preâmbulo -

25.11.03

Cobras e automóveis

No National Geographic Channel dizem-me que morrem 30 pessoas por ano mordidas por cobras, no grande continente Austral. Extrapolando, admito que morram 100-120 pessoas por ano, mordidas pelo réptil falaz do Génesis, em todo o mundo.
Surgem-me memórias esparsas, auferidas nas aulas de Paleontologia Humana ou de Biologia do Comportamento, de um facto biológico inegável e reiteradamente comprovado: todos os primatas, incluindo a espécie Homo sapiens, têm um medo instintivo de répteis. Lembro-me ainda que se referia a desadequação deste instinto nos nossos habitats coetâneos. Pois se as cobras e os lagartos (não falo dessa maravilhosa mole humana adepta do grande Sporting) andam evadidos das nossas cidades, apartamentos ou praias, para quê ter medo deles?
E já agora porque é que a evolução não nos dotou de um receio instintivo dos automóveis? Isso sim, dava jeito. Sobretudo num quadrado onde grassa uma guerra civil camuflada.

Então outra vez

Alguém me pergunta o que eu quis dizer com o post “Então talvez”. Enigmaticamente respondo, rememorando Margaret Mead, que a apologética feminista ao questionar o que explicava a desigualdade sexual, rejeitou-a como facto imutável e natural e redefiniu-a como facto social. As diferenças biológicas não podem ser utilizadas como factor determinativo do género e como resultado não pode existir um significado unitário ou essencial atribuído à categoria de ‘mulher’ ou à categoria de ‘homem’. Tudo é híbrido na fluidez intérmina das identidades.

24.11.03

Então talvez

Quando a noite expirou ele ofereceu-se para a levar a casa. Nunca fez parte dos seus planos convidá-lo para subir mas mesmo assim ele roubou-lhe um beijo envergonhado. – Posso subir contigo? – Não, nunca mais nos vamos ver.

[Num só momento aquele beijo e toda a vida].

O nome dele é Miguel. Ela chama-se Tânia e sabe que ele nunca a poderia amar. Ela chama-se Tânia e um dia chamou-se outra coisa qualquer. Talvez João. Talvez Miguel, mas nunca Tânia.

A antropologia

é remetida por quase toda a gente para o exotismo científico, na forma de uma genealogia do passado, revestindo a pele de um Indiana Jones no meio da selva ou encorpando um velho de pele frágil a mensurar crânios. Ou então é "desqualificada" e congregada no seio de disciplinas irmãs, como a sociologia. Subscrevendo o meu querido amigo e colega (se bem que em áleas do conhecimento antropológico que poderiam inserir-se perfeitamente em ciências diferentes), não considero ofensiva a confusão da antropologia com a sociologia (que, no fundo, é a minha segunda mãe epistemológica) ou mesmo com a genealogia. Todavia, gosto de pensar que no seio da minha babel identitária a antropologia é a diferença que me desloca da multidão indiferenciada.

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23.11.03

Sono

Verto as lágrimas para um copo que amanhã beberei sedento.

22.11.03

Hoje sei que vou dormir feliz.

E por acaso cruzas-te com aquele colega de carteira do 5º ano do ciclo, 16 anos depois, mais alto e, sobretudo, mais largo.

– Então que fazes?
- Pois, sou o melhor serralheiro mecânico de Coimbra, man. Nunca mais te vi desde o ciclo. Fui para o Porto com 12 anos, man, tas a ver?
-Continuaste a estudar lá?
-Não, man, fui trabalhar para a Somague.
- Com 12 anos?!

As vidas que um dia se cruzaram são hoje efémeros estertores de um sonho traído.

- Pois, man. Não tive possibilidades de continuar os estudos. Tinha que ganhar dinheiro. Mas hoje sou grande serralheiro, man. E tu o que é que fazes, és engenheiro?
- Por acaso não, sou antropólogo.
- Dá-me o teu contacto, man. Tenho que te dar os dados da minha família para poderes fazer a minha genealogia.
- O prazer será todo meu. Anda lá, pago-te uma lambreta.

20.11.03

Se

não acha que os serviços médicos e as listas de espera nos hospitais são uma iniquidade criminosa, então responda-me porque é que médic@s, enfermeir@s e auxiliares se passeiam pelas salas de operações de máscara, tal qual os foras-da-lei no oeste selvagem.

18.11.03

Happy birthday

Mickey!
Sinceramente nunca gostei muito do rato da Disney, que por ter aparecido num filmezinho chamdo Steamboat Willie marcou a história do cinema de animação. A minha preferência sempre foi para a família dos patos, especialmente para a paranóia maníaca do Donald. Todavia, não esqueço o que este rato simboliza: o discreto triunfo do bem contra o mal, dos bons contra os maus, da democracia contra a ditadura.

17.11.03

Dia após dia relembro

o teu sorriso inteiro. No Jardim chovem as lágrimas de uma flor de cor vermelha, de uma cor qualquer.

Os teus lábios são vermelhos (de uma cor qualquer) e apetece-me beijá-los.

Ele

voltou à ribalta. Bem vindo!

16.11.03

O amor

acontece!
Posso parecer lamechas mas a verdade é que adorei o filme. A fórmula até pode estar gasta mas resulta sempre.

15.11.03

Alguns

germanófilos têm-me escrito a perguntar onde é que desencantei a palavra Bussi. Fiz uma pequena pesquisa (danke Mics) e cheguei à conclusão que este vocábulo, que não tem nada a ver com kuss (beijo), tem a sua origem num dialecto do sul da Alemanha. E pronto, estamos esclarecidos.

14.11.03

Justiça

Do logro de La Lys nasceu um herói para salvar a honra nacional: o afamado Milhões, nome por que ficou conhecido um homem simples e reservado, Aníbal Augusto Milhais, quando o seu comandante o aclamou pelo seu heroísmo, dizendo-lhe: «Tens o nome de Milhais, mas vales milhões.»
Enquanto os portugueses caíam como tordos em La Lys, Milhais não largou a sua «menina», como chamava à metralhadora, dando cobertura à retirada dos soldados portugueses. Salvou a vida a centenas de companheiros. Faça-se justiça a este homem que nem tudo foi mau naquele dia de Abril.

Nem parece que fui eu que escrevi um post scriptum sobre vitórias morais.

Isto

é sério: não sou o único a achar que All in the family é uma das melhores comédias televisivas de sempre, disputando o lugar mais alto do pódio com Allo, Allo, Fawlty Towers , Blackadder Hall e Seinfeld. O Pedro Mexia diz-nos que as canções são invólucros de memórias. Também as séries que nos deixam uma lembrança inabalável de momentos bem passados.

13.11.03

Post scriptum

A Batalha de La Lys é um dos exemplos paradigmáticos dessa tendência tão portuguesa de transformar derrotas materiais e tangíveis em vitórias morais.

Nassyiria ou La Lys revisitada?

Não é preciso ter estudado em West Point para saber que, em qualquer acto beligerante, os contendores atacam quase sempre o inimigo no seu ponto mais fraco. Vejamos.

Em Abril de 1918, o Comandante do Corpo Expedicionário Português (CEP) na Flandres, General Tamagnini de Abreu e Silva, prevenia o Ministério da Guerra para uma conjuntura de eminente colapso anímico e físico das tropas portuguesas. Desde oficiais que iam a Portugal de licença e por lá ficavam, até brigadas inteiras que se amotinavam, de tudo acontecia ao mal preparado e mal abastecido (de víveres, roupa, armamento, et coetera) CEP. Na frente os soldados aguardavam que o novo poder, personificado por Sidónio Pais, os remisse das “trinchas”, entoando-lhe uma quadra: “Ó grande Sidónio Pais/director da revolução/não nos deixes sofrer mais/rende a nossa Divisão”. Prevendo o descalabro, Tamagnini implorou ao Comando Britânico que revezasse todo o sector português.
Na noite de 8 para 9 de Abril de 1918 iniciou-se a retirada da 2ª divisão portuguesa da linha da frente, mas, pela alba, a artilharia e a infantaria alemãs desabaram sobre os homens do CEP como malho no ferro. A espionagem alemã escolhera o momento fulcral para fender as linhas inimigas no seu elo mais fraco. A derrota de La Lys foi clamorosa e no final do dia as baixas portuguesas em mortos, feridos e prisioneiros elevavam-se a cerca de 8.000 praças e oficiais.

Vem isto a propósito de quê? Como já se citou uma vez no Daedalus “a História, se se repete duas vezes, a primeira é como tragédia e a segunda como comédia”. No fundo receio que Marx se tenha equivocado e a tragédia aconteça duas (três?, não esquecendo as Guerras de África) vezes.

Nunca

imaginei que uma língua tão rugosa como o alemão nos pudesse oferecer uma palavra tão bonita como BUSSI, isto é, beijinho. Bussi para tod@s.

12.11.03

O atentado

desta manhã em Nassyiria relançou a discussão em torno da pertinência do envio de uma força portuguesa militarizada (GNR) para o Iraque. A maioria dos comentadores considera que um eventual passo atrás do governo nesta situação seria altamente desprestigiante e, a todos os níveis, nefasto para a imagem de Portugal no mundo (i.e., no âmago da administração Bush). Neste momento em que as televisões mostram despudoradamente as despedidas dos soldados da GNR (Godspeed) e respectivas famílias, rememoro as cautas palavras de Fernando Loureiro, filósofo da escola empirista: “dizem que fugir parece mal, mas dá uma rica saúde ao corpo”.

Pequena momice em torno da Guarda Nacional Republicana (a portuguesa que a do Saddam já era)

Os bravos agentes da GNR partem hoje para o Iraque. Com a certeza de que não deixarão de fazer um bom trabalho elevando bem alto o nome de Portugal, não posso deixar de lamentar o preceito islâmico que proíbe o consumo de bebidas alcoólicas. Com o balão no bolso terão os gloriosos soldados da Guarda que esquecer as operações STOP, dedicando-se a bater novos recordes de multas por mau estacionamento. O que, convenhamos, não será difícil, dada a quantidade de camiões, carroças, tanques e respectivos burros por esta altura à solta nos areais de Nassiyria.

11.11.03

Como uma vela

A luz de uma vela é fraca,
Não ilumina o meu desejo…

9.11.03

Quantos

soldados americanos morreram este fim-de-semana no Iraque? Quantos portugueses morreram este fim-de-semana nas estradas?

Afinal onde é a guerra?

7.11.03

Voltando

a Archie Bunker, pensei mais um pouco e cheguei à conclusão que na extrema-esquerda também ninguém me faz rir (a excepção será, talvez, a grande actriz Odete Santos numa performance de revista à portuguesa: no programa do Herman percebi porque é que quiseram transformar o Parque Mayer num casino).

Relativamente à revista à portuguesa (para os venturosos que não sabem que matéria fecal é esta, não esperem que seja eu a elucidá-los. No entanto posso adiantar que não é nenhum prato típico), agradecia que um qualquer governante arguto tomasse a corajosa e relevante decisão de enviar todos os revisteiros e marchantes na próxima missão americana a Marte, daquelas que perdem permanentemente o contacto com Houston.

6.11.03

Dogville

Aqui exibe-se a convicção de que Lars von Trier, desta vez, realizou um péssimo filme. Eu também acho que sim. Para mim o realizador dinamarquês é como o Benfica, vive no presente os êxitos do passado.

Recorded before a live audience

A única pessoa da direita ultramontana que me faz rir é Archie Bunker de All in the Family (Uma Família às Direitas). Tem todos os defeitos de um radical republicano mas pelo menos não é ministro da Defesa do meu país.

3.11.03

Irmãos de armas

Apesar do amor fraternal ser dado adquirido desde que ela nasceu numa Primavera dilucular, nunca com ela tive grandes enlaces de confidência, verse ela sobre que assunto for. A minha lisonja é avara, mas a minha admiração pródiga. Pela minha mana, claro.
Vem isto a propósito das tais confidências fraternais: é que uma amiga contou-me que o irmão alardeou, alto e bom som durante o almoço dominical, que já "esgalhava o pessegueiro"! Corajoso (e talvez ingénuo) o puto de 12 anos. Perante o desconcerto da minha amiga que lhe pedia encarecidamente que lhe contasse tudo após o almoço no quarto dele, ele respondeu: "Olha que ainda não saíu líquido, mas quando sair vais ser a primeira a saber"! Numa frase o amor. Assim. Sem contemplações ou censuras surdas.

Conto primeiro

Por vezes gostaria de voltar aos tempos pré-Casapianos em que, ingénua e piamente, acreditava que todos os portugueses eram, no fundo, boas pessoas. Hoje apelo a Aquilino Ribeiro, que, nos idos de 13 do século passado, registava no seu seminal livro de contos Jardim das Tormentas esta fuga possível a uma realidade incontornável: O Demónio põe às vezes à virtude a máscara do pecado.

Aquilino Ribeiro. Jardim das Tormentas (A Catedral de Córdoba). Bertrand

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Dois homens, dois concertos

Ben Harper e Quim Barreiros: mais que grandes letras estes homens partilham a saudável capacidade de subjugar os seus públicos. No Pavilhão Atlântico ou lá em baixo depois do Cortejo o mundo é deles.

1.11.03

Eu

Revivescendo as memórias contidas na húmida e escura arrecadação do Daedalus aferi com espanto que o Francisco de então, ingénuo e pretensioso [entre muitas outras especificidades], não é mais, não subsiste agora neste corpo que carrega aquele nome. Eu já não sou aquele Francisco, embora o Bilhete de Identidade continue a ser o n.º11009825, emitido em Coimbra por um funcionário que se está nas tintas para qualquer um dos dois.
Fico feliz por saber que eu não sou aquele outro. Esta epifania serve, se não para outra coisa, para me livrar do medo de que, um dia, depois de morrer, reencarnarei num rato ou num holandês (detesto ratos, embora adore o Maus do Spiegelman, e não sei falar neerlandês). Digam-me, o que aconteceria se eu morresse e a minha Essência se transferisse em massa para a alma de um Rattus norvegicus (ratazana preta)? A ratazana com a sua pequena consciência do self diria: eu Francisco? Quem sou eu para lhe roubar o direito de se pensar como eu ratazana? A ratazana, que o é certamente, deixaria de o ser se se percebesse como eu Francisco e…
…Deixariam de existir ratazanas. [A Peste Negra é um mito para assustar as criancinhas. O Holocausto nunca aconteceu. Deixem lá, este Francisco hoje está parvo].