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1.11.03

Eu

Revivescendo as memórias contidas na húmida e escura arrecadação do Daedalus aferi com espanto que o Francisco de então, ingénuo e pretensioso [entre muitas outras especificidades], não é mais, não subsiste agora neste corpo que carrega aquele nome. Eu já não sou aquele Francisco, embora o Bilhete de Identidade continue a ser o n.º11009825, emitido em Coimbra por um funcionário que se está nas tintas para qualquer um dos dois.
Fico feliz por saber que eu não sou aquele outro. Esta epifania serve, se não para outra coisa, para me livrar do medo de que, um dia, depois de morrer, reencarnarei num rato ou num holandês (detesto ratos, embora adore o Maus do Spiegelman, e não sei falar neerlandês). Digam-me, o que aconteceria se eu morresse e a minha Essência se transferisse em massa para a alma de um Rattus norvegicus (ratazana preta)? A ratazana com a sua pequena consciência do self diria: eu Francisco? Quem sou eu para lhe roubar o direito de se pensar como eu ratazana? A ratazana, que o é certamente, deixaria de o ser se se percebesse como eu Francisco e…
…Deixariam de existir ratazanas. [A Peste Negra é um mito para assustar as criancinhas. O Holocausto nunca aconteceu. Deixem lá, este Francisco hoje está parvo].