{Tragicomédia} A crise económica condiciona e atrapalha tudo. Justifica tudo. Enfim, quase tudo. Há muito que o Metro Mondego se enreda em devaneios de jubilado pachorrento, a ver o mundo passar, enquanto à sua volta tudo se desmorona. Os tropeções têm sido tantos, e tão patéticos, que o último acto da comédia não foi propriamente surpreendente. A bem dizer, os cortes no projecto determinados pelo ministro das Finanças e que, no mais amargo dos cenários, podem até comprometer as obras em curso, são apenas mais um prego espetado num ataúde que desde o início parece destinado a uma cova bem funda.
Infelizmente, até as críticas avinagradas de um grupo de pais preocupados serviram no passado como pretexto para emperrar a partida de um projecto que, cada vez mais, celebra o seu desígnio de utopia de papel. Logo, as restrições ao financiamento motivadas pelo Programa de Estabilidade e Crescimento – a razão pela qual não foi aprovado o plano de actividade da Sociedade Metro Mondego na última assembleia da empresa – apenas adensam um panorama que é geneticamente negro.
A renovada demora num projecto que, afinal, ainda não passou disso mesmo, configura uma verdadeira ofensa à cidade de Coimbra e aos concelhos circundantes, que também beneficiarão do metro ligeiro de superfície. Em qualquer um dos cenários sugeridos, a calendarização do metro vai sofrer modificações. Para além disso, perder-se-á muito dinheiro ao optar-se pela suspensão das obras. No final, quem perderá mais irão ser a cidade e os seus habitantes.
Já o afirmei anteriormente, mas não posso deixar de o dizer outra vez: os fiascos reiterados do metro de superfície conimbricense assemelham-se a uma “opera buffa”, a uma farsa que irrita mais do que entretém, a uma verdadeira tragicomédia com um final doloroso.
{Hieronymus Bosch, c. 1503-4, O jardim das delícias terrenas: o inferno}
Se é verdade que existem sons demoníacos - eu não creio - um deles é, obviamente, o zurro da da vuvuzela. A corneta de plástico é a pior merda que se inventou nos últimos vinte anos (a TVI não conta) mas havia sido já imaginada por Bosch no início do séc. XVI, milimetricamente colocada num sítio que eu cá sei, e de onde nunca deveria ter saído. Pois que volte depressa para os infernos, com a Galp, a BP e o Sabrosa, mais os chatos que a não tiram das beiças.
Se calhar a sociologia é uma treta, como a antropologia e a medicina ocidental. O mundo é demasiado pequeno para que lhe dêem tanta atenção - alguém deveria dizer isto com todas as l-e-t-r-a-s, uma gaja com tomates, um burro falante, qualquer coisa com meio palmo de cérebro. Desdenhar o essencial, abraçar o supérfluo, foder e depois morrer. Ou o contrário.
{Jardins do Éden} São coisas que acontecem. Uma pessoa (digamos, um engenheiro ou um responsável autárquico pelo urbanismo) distrai-se e quando se dá por ela os pândegos dos operários já construíram um andar a mais numa série de prédios localizados numa zona central da cidade de Coimbra. Entre reuniões, papelada burocrática, cafés e palavras de desincentivo à fiscalização, há alguém que fareja a tramóia e acaba com a macacada que queria levar os edifícios do empreendimento “Jardins do Mondego” até ao céu, imitando em versão manhosa a história da Torre de Babel.
Basta considerar os principais intervenientes deste capriccio para nos apercebermos de mais um conúbio desventurado dessa santíssima trindade da prestidigitação: autarcas, dirigentes desportivos (versão circunscrita ao futebol) e empreiteiros. Longe de mim afirmar que todos os autarcas, dirigentes e empreiteiros são desonestos: estes são uma minoria que, sem dúvida, mancha a face das três classes – sobretudo daqueles que sempre conduziram a sua vida com a probidade devida ao cargo que desempenham. Todavia, quando se metem gatos desta natureza no mesmo saco, a fábula só excepcionalmente pode ser moral.
Entretanto, decorre o julgamento do presidente da Académica/OAF e ex-director municipal da Administração do Território, José Eduardo Simões, acusado de nove crimes de corrupção, e o enredo adensa-se, muito por causa das ocorrências caricaturais que vão marcando de forma indelével as sessões de julgamento, como a “amnésia” do empreiteiro Fernando Marques dos Santos.
Se tudo isto não passa de um monumental equívoco, ou de mais uma acção pútrida da “santíssima trindade”, cabe ao tribunal decidir. Por enquanto, resta a esperança de que o gato escondido sempre mostra o rabo e que a verdade se há-de apurar. Toda a gente sabe que o Jardim do Éden era um paraíso na terra, apesar da interdição de merendar maçãs; esperemos que os Jardins do Mondego não se tornem no paraíso daqueles que fazem o que querem nas entrelinhas da lei. {Sexta-feira, 11/06, no Jornal de Notícias}