30.11.05
29.11.05
28.11.05
25.11.05
Finitude
Hoje termina o BdE, um dos poucos blogues que eu lia [leio] diariamente. No quarto do moribundo aditam-se posts derradeiros, confissões solenes, murmúrios olorosos. Os amigos juntam-se para ver uma bela morte.
"A natureza tem muitas maneiras de nos convencer que somos mortais."
[Jack London]
"A natureza tem muitas maneiras de nos convencer que somos mortais."
[Jack London]
24.11.05
Por e-mail
Uma espéce de Tristes Trópicos em nota introdutória, com entremeios de diarística a la Malinowski [sem a catilinária racista ou idas à montanha]. Uma maravilha, por enquanto só para uns happy few.
23.11.05
21.11.05
Eu queria ser padre
Eu teria 4/5 anos. Queria ser padre porque achava que os padres só trabalhavam uma hora por semana, aos Domingos de manhã. O meu primo disse-me para eu ter juízo, "Os padres não podem ter mulheres", exarando a erudição costumeira dos putos com 6 anos de idade.
Na realidade, estávamos ambos enganados.
18.11.05
Che fare?
A questão crucial d' Os Noivos de Manzoni revela-nos a pedra angular do pensamento do turbilhão moderno: a dúvida. Visita-me por vezes - como a todos - de passagem, como um médico, ou demoradamente, como as aves visitam o norte durante o Verão. Escrevo este último texto célere e distraído [sem saber muito bem o que dizer]: estou de passagem e o descanso é preferível ao ecran de um computador. Não sei se devo escrever enquanto não volto definitivamente às realidades quotidianamente repetidas. Olho as águas escuras e revoltas do mar, do outro lado da janela, protegido do frio e de alguma chuva - hóspedes indesejáveis da tarde. Escrevo, escrevo, escrevo. A rotina de teclar para suprimir o som do temporal.
17.11.05
Mão querida #2
Conta-se que um ladrão de gado afegão disse, enquanto lhe cortavam a mão direita, o castigo pelo roubo de dois camelos: "não me cortam só a mão, tiram-me também a minha melhor amante".
16.11.05
Historinha para o dia 16/11
Arrefecia há muito no esquife dourado, a face serena e nunca tão bela empalidecendo as begónias que lhe atropelavam o corpo. Se não fossem elas, as flores, a guarda real aprumada em negros, funéreos uniformes e uma ligeira melancolia que perpassava o reino, o incauto passante diria que o jovem príncipe apenas dormia. E, no entanto, as mulheres choravam-no no recesso dos quartos, das cozinhas e dos lavadouros. Alguns homens, os menos sensíveis, também.
O príncipe Adorján foi enterrado num amplo coval pelo próprio pai, o rei de Imrus, nos jardins do palácio de Inverno, níveo gigante tresmalhado nas montanhas mais recônditas do reino. O rei, bricoleur convicto, de muitos anos, erigiu também esplêndido monumento tumular. A bruta pedra de mármore arruivado, graciosamente afeiçoada pelas mãos reais, tomara a figura esbelta, mas imperfeita porque sem sopro de vida, de Adorján. O ícone pétreo, dizem os perplexos cronistas, possuía um pequeno defeito: o braço esquerdo, apesar dos esforços perseverantes do envelhecido rei, sempre caía no dia seguinte ao aniversário da morte do príncipe.
Diário do Barão Iszák Jaroselic, perpétuo viajante
O príncipe Adorján foi enterrado num amplo coval pelo próprio pai, o rei de Imrus, nos jardins do palácio de Inverno, níveo gigante tresmalhado nas montanhas mais recônditas do reino. O rei, bricoleur convicto, de muitos anos, erigiu também esplêndido monumento tumular. A bruta pedra de mármore arruivado, graciosamente afeiçoada pelas mãos reais, tomara a figura esbelta, mas imperfeita porque sem sopro de vida, de Adorján. O ícone pétreo, dizem os perplexos cronistas, possuía um pequeno defeito: o braço esquerdo, apesar dos esforços perseverantes do envelhecido rei, sempre caía no dia seguinte ao aniversário da morte do príncipe.
Diário do Barão Iszák Jaroselic, perpétuo viajante
Data: Ano de 1856, décimo sexto dia de novembro
Local: Castelo de Jenö, Quadrícula 5b, Sector Poente
Acabei de escavar um esqueleto completo, do sexo masculino, adolescente [16-18 anos, pelo desenvolvimento das epífises], na presumida sepultura do Príncipe Adoriam [m. circa 1233]. Nenhuma condição patológica a assinalar. O corpo encontrava-se numa estranha posição de inumação: embora confie nos meus olhos e nos desenhos que eu e Jana debuxámos, não compreendo porque o enterraram sentado e com o braço esquerdo na boca. Parecia que o ia comer. A menos que o tenham enterrado v… [documento ilegível deste ponto em diante].
Local: Castelo de Jenö, Quadrícula 5b, Sector Poente
Acabei de escavar um esqueleto completo, do sexo masculino, adolescente [16-18 anos, pelo desenvolvimento das epífises], na presumida sepultura do Príncipe Adoriam [m. circa 1233]. Nenhuma condição patológica a assinalar. O corpo encontrava-se numa estranha posição de inumação: embora confie nos meus olhos e nos desenhos que eu e Jana debuxámos, não compreendo porque o enterraram sentado e com o braço esquerdo na boca. Parecia que o ia comer. A menos que o tenham enterrado v… [documento ilegível deste ponto em diante].
15.11.05
A verdade
Acabo de comprar "Os emigrantes" de Winfried Georg Sebald. Corro os olhos pelas páginas, texto intercalado por fotografias cinzentas, e remeto a memória satisfeita ao primeiro livro de Sebald que li, "Austerlitz". O escritor, que morreu em Dezembro de 2001 num acidente de viação em East Anglia [o seu exílio inglês], era também um fotógrafo devoto. Os seus livros acumulam imagens que brotavam de passeios longos pelas ruas desertas, abrigadas na película da sua câmera ou em velhos postais e recortes de jornal encontrados no lixo. As fotografias não possuem legenda: mesmerizam o sentido do texto que as rodeia. Autenticam-no através da sua transcendência espácio-temporal e ligam Sebald àquela realidade. Não existe ficção. O autor morreu mas nós sabemos que ele esteve lá, que o que nos lega nas sucessivas páginas dos seus magníficos romances não é nada menos que a verdade.
14.11.05
Face a face com a imbecilidade
Olho fixamente as barras coloridas. Os bytes conjuram-se no assalto do tempo, as matizes invocam esperanças secretas nos meus olhos cada vez mais remelosos. Skip James e Buzzcocks afeiçoados pela leveza do download, Sergio Leone e Tim Burton tornados contemporâneos pela partilha de ficheiros .avi. Olho fixamente as barras coloridas. Olho muitas vezes as barras coloridas e não estou só. Sou como todos os Jacques da periferia de Paris, como o Tozé que está a sacar o Elizabethtown e o xurrasku que só gosta de pornografia: sirvo-me do sistema para o aniquilar. Repito-o em mente enquanto o escrevo.
Não passo de um bandido de cú de estrada, talvez um pouco mais sofisticado.
Não passo de um bandido de cú de estrada, talvez um pouco mais sofisticado.
11.11.05
Mão querida
Sorrio com o tape-tape ritmado que vou chasqueando com a mão no tampo da mesa. Apesar de não ser excepcionalmente bela, ainda assim é uma bonita mão. Cumpridora. Por vezes, nem por isso, mas a maior parte das ocasiões é porque não pode ou não sabe. Não pode apanhar muito frio. Não sabe tocar piano ou harpa. Não pode – nem saberia como – acariciar uma mulher de etnia Cokwe. Mas já me defendeu de um ou dois agressores, já desferiu um ou dois golpes com pouca – ou nenhuma – misericórdia. Já colheu laranjas e subiu escadas, já fez cócegas nos pés de algumas pessoas, já me satisfez os apetites, já acordou quem dormia, já escreveu cartas de amor e cartas de malquerença, todas elas anónimas e com uma caligrafia horrível. Já pôs gasolina em carros a gasóleo, já acendeu a televisão com o comando do vídeo, já deitou migalhas de pão aos gatos da senhora Adosinda. Até já enfeitou presépios e árvores de Natal, tudo no mesmo dia. É horrível perceber que uma mão tão dotada não tem poder para mudar o que quer que seja neste mundo.
Etiquetas: devaneios, impressões
9.11.05
8.11.05
7.11.05
Um Novembro possível
O teu beijo arrisca delicadezas a que não estou habituado. A civilidade dos teus lábios de romã, nas arrefecidas manhãs de Novembro, lembra as folhas subjugadas pelo ocaso dos dias – o vermelho esvoaçante, a intimidade de um momento, a efemeridade da beleza. Um beijo com sabor a castanha seria, porventura, menos poético. Indubiamente mais saboroso.
4.11.05
Efémera
Um amigo confidenciou-me que uma vez se apaixonou por uma rapariga que passava num autocarro, já não sei de que linha, nem ele. A figura efémera, esgarçada pelos vidros sujos de uma tarde lamacenta de Novembro, assomou-lhe súbita, aspirando todos os seus sentidos para a ventura de um momento irrepetível. Naquele momento ele foi feliz como nunca foi ou voltaria a ser.
Talvez, na altura, eu tenha estranhado o sentimento fácil, a cumplicidade algo exagerada. Mas, pensando melhor, como poderia ele não amar uma imagem que lhe prometeu a felicidade?
Talvez, na altura, eu tenha estranhado o sentimento fácil, a cumplicidade algo exagerada. Mas, pensando melhor, como poderia ele não amar uma imagem que lhe prometeu a felicidade?