Mão querida
Sorrio com o tape-tape ritmado que vou chasqueando com a mão no tampo da mesa. Apesar de não ser excepcionalmente bela, ainda assim é uma bonita mão. Cumpridora. Por vezes, nem por isso, mas a maior parte das ocasiões é porque não pode ou não sabe. Não pode apanhar muito frio. Não sabe tocar piano ou harpa. Não pode – nem saberia como – acariciar uma mulher de etnia Cokwe. Mas já me defendeu de um ou dois agressores, já desferiu um ou dois golpes com pouca – ou nenhuma – misericórdia. Já colheu laranjas e subiu escadas, já fez cócegas nos pés de algumas pessoas, já me satisfez os apetites, já acordou quem dormia, já escreveu cartas de amor e cartas de malquerença, todas elas anónimas e com uma caligrafia horrível. Já pôs gasolina em carros a gasóleo, já acendeu a televisão com o comando do vídeo, já deitou migalhas de pão aos gatos da senhora Adosinda. Até já enfeitou presépios e árvores de Natal, tudo no mesmo dia. É horrível perceber que uma mão tão dotada não tem poder para mudar o que quer que seja neste mundo.
Etiquetas: devaneios, impressões
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