Não estava à espera. É o fado dos pessimistas sentimentais. Não esperava que Victor Baptista perdesse as eleições para a presidência da Federação Distrital de Coimbra do Partido Socialista (PS) mas, sobretudo, não esperava que após a contagem dos resultados o deputado socialista jogasse a carta indecorosa do jogo viciado, acusando os apoiantes da candidatura de Mário Ruivo, o novo presidente, da utilização de documentos comprovativos do pagamento de quotas falsos, entre outras irregularidades.
Isto é muito grave, e espantoso; não só porque expõe de forma clara a astenia democrática que caracteriza agora uma fracção dos militantes do PS, especialmente em Coimbra, mas também porque mostra que para alguns tudo serve para ganhar (ou não perder) – até a sugestão de que camaradas do mesmo partido são desonestos.
Em última análise, a possibilidade histórica da democracia está nas mãos de uma capacidade biunívoca para acreditar na justeza dos processos eleitorais. Nas democracias mais “frágeis” (ou nas pseudo-democracias) uma das tentações do(s) derrotado(s) passa quase sempre pela alusão a irregularidades nas eleições, pela tentativa de recondução do desfecho eleitoral a uma circunstância de abuso difuso e programado.
Qualquer súmula moral, motivada pelo rescaldo deste processo, poderá sugerir que o PS de Coimbra tem experimentado um estado de “democracia frágil”. Mas seis votos, apenas, desvendaram uma possibilidade decorosa de redenção, um potencial de raiva e desprezo pelos erros cometidos nos últimos anos, autofágicos e improdutivos. A transformação prometida por Mário Ruivo mensura com precisão o pulsar socialista conimbricense: os valores democráticos talvez não se tenham perdido, talvez esperem apenas pela “jouissance” de um recomeço. {15/10, no Jornal de Notícias}
{Uma árvore, nenhuma} No Outono gostamos de ver as folhas das árvores precisamente porque caem e cumprem o seu destino de aniquilamento. É possível – mas não desejável – esquecer esses episódios concretos dos dias abreviados de Setembro. Não sei o que se passa com os portugueses e com aquele rancor que, às mãos completas, destinam ao pouco que resta das árvores raquíticas das cidades – não falo sequer do que se passa no Verão, em pinhais interiores e eucaliptais fastidiosos.
Visitamos o bairro novo (aquele género de condomínio privado tão do gosto do eterno pato-bravo) admiramos o cimento e os vidros amplos, mas não vislumbramos áreas verdes, uma árvore séria que se conte. O hospital mais moderno trata bem os seus utentes (os doentes deixaram há muito de existir) mas não admite árvores – um pequeno arbusto, por Deus! – no seu perímetro. As universidades são piores que as norte-americanas em quase tudo; consideremos particularmente a beleza do campus típico da Ivy League (mas não só) durante a “foliage” – em Portugal, os hossanas cantam-se aos calhaus, aos andaimes e à argamassa.
Logo, não nos admiramos quando, em Coimbra e na Lousã, se fala tanto em abater árvores. O desígnio parece sagrado – e imparável. O desvanecimento pacóvio com a estrada alcatroada, nutrido por uma poalha de incúria, ainda aquece os corações do autarca modelo lusitano. Em Coimbra, existe mesmo um parecer da Provedoria do Ambiente e Qualidade de Vida Urbana que considera um verdadeiro «atentado urbanístico» o abate de vinte e quatro árvores na rua João Pinto Ribeiro. A Junta de Freguesia da Sé Nova olhou para o lado, e fez o que lhe competia: deitou abaixo. O mundo e a cidade sobreviverão. O que não faltam são árvores e “maluquinhos” que se prendem a elas, com a vã esperança de as salvar. No fim, ganham os autarcas ajuizados e as ruas bem cimentadas. {01/10, no Jornal de Notícias}
É engraçado, ou apenas estúpido (eu acho que é isto), mas «todas» as novelas da TVI dão espaço a pelo menos uma peixeira com inflexão de «Lesbôa» e a um par de «caseiros», ribatejanos das lezírias (o mais das vezes), gente esforçada e honesta mas cuja vida nunca corre demasiado bem. Nada de mais: o enredo ganha mais mostrando essa nossa valente gente, com correcção etnográfica, que fala a santinhos e vive em casas modestas, e nem descura a camisa de flanela aos quadrados - paramento de lei nas vilas provinciais deste nosso rico país. Há já algum tempo que vou ficando, também, mais «caseiro» - pese embora o sobejo da circunvizinhança cultural -, não sei se por inveja dos mais velhos ou por despeito para com os mais jovens. É preciso guardar as conveniências, bem como a saúde, talvez «sonhar com a cauda de um lagarto». Não é necessário reconhecer a alusão.
As pessoas parecem felizes - o FB é só dentes - mas, da maneira que isto está, não há tesão que dure. O certo é que, em todo o caso, e apesar da escuridão que suprime o horizonte, não há quem produza uma solução radical, uma purga ecuménica, que deixe apenas escombros e memórias do que isto é - do que isto foi. Eu não seria mais «feliz» numa «sociedade nova» nem, certamente, mais «adaptado», mas (depois da «grande nivelação») talvez as pessoas - os possessos dos subúrbios - não tivessem que fingir, a todo o custo, que são «felizes» e «adaptados», como sombra de toiro em tarde de lezíria.