Passeio Público
{Um recomeço}
Não estava à espera. É o fado dos pessimistas sentimentais. Não esperava que Victor Baptista perdesse as eleições para a presidência da Federação Distrital de Coimbra do Partido Socialista (PS) mas, sobretudo, não esperava que após a contagem dos resultados o deputado socialista jogasse a carta indecorosa do jogo viciado, acusando os apoiantes da candidatura de Mário Ruivo, o novo presidente, da utilização de documentos comprovativos do pagamento de quotas falsos, entre outras irregularidades.
Isto é muito grave, e espantoso; não só porque expõe de forma clara a astenia democrática que caracteriza agora uma fracção dos militantes do PS, especialmente em Coimbra, mas também porque mostra que para alguns tudo serve para ganhar (ou não perder) – até a sugestão de que camaradas do mesmo partido são desonestos.
Em última análise, a possibilidade histórica da democracia está nas mãos de uma capacidade biunívoca para acreditar na justeza dos processos eleitorais. Nas democracias mais “frágeis” (ou nas pseudo-democracias) uma das tentações do(s) derrotado(s) passa quase sempre pela alusão a irregularidades nas eleições, pela tentativa de recondução do desfecho eleitoral a uma circunstância de abuso difuso e programado.
Qualquer súmula moral, motivada pelo rescaldo deste processo, poderá sugerir que o PS de Coimbra tem experimentado um estado de “democracia frágil”. Mas seis votos, apenas, desvendaram uma possibilidade decorosa de redenção, um potencial de raiva e desprezo pelos erros cometidos nos últimos anos, autofágicos e improdutivos. A transformação prometida por Mário Ruivo mensura com precisão o pulsar socialista conimbricense: os valores democráticos talvez não se tenham perdido, talvez esperem apenas pela “jouissance” de um recomeço.
{15/10, no Jornal de Notícias}
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