{Atenas, Silicon Valley} A nossa expectativa convencional sobre a economia é que esta deve assentar – pelo menos nos países mais industrializados – no “conhecimento” e nos seus múltiplos avatares, designadamente naquela nebulosa conhecida por Investigação & Desenvolvimento (I&D). Mesmo que a sombra da I&D seja, de facto, o motor das economias mais desenvolvidas, o exemplo recente da Irlanda mostra que o saber e o conhecimento não são garante de crescimento – para isso é também são necessárias coisas tão básicas como a fiscalização, a regulação ou a transparência dos “mercados”, antropomorficamente preocupados com o lucro e não com o bem-estar dos cidadãos.
O declínio do tecido industrial de Coimbra é por demais conhecido. Ninguém esquece os problemáticos e confusos processos de extinção de diversas empresas da cidade. Contudo, alguns grupos querem melhorar o panorama empresarial de Coimbra: é o caso daqueles que investem uma fatia substancial do orçamento em I&D. De facto, a Biocant, a Bluepharma e o Grupo Critical (Software, Links e Materials) integram o top-25 das empresas nacionais com mais investimento em Investigação e Desenvolvimento. Três lanças em África são melhores que nenhuma.
A “repopulação” do tecido industrial da cidade com este tipo de empresas, bem como as soluções tecnológicas que todos os dias nascem na Universidade de Coimbra, podem ajudar a defender o papel de Coimbra no país e no mundo. Não obstante, a cidade ainda não é Silicon Valley, como alguns pretendem. A propósito, tal comparação faz-me lembrar o monólogo sobre as semelhanças de Monmouth e as cidades clássicas da Macedónia do capitão galês Fluellen, em “Henrique V”, de Shakespeare: um misto de comicidade e provincianismo. A realidade é mais complexa e promete ainda muito trabalho. {10/12 no Jornal de Notícias}
{A melhor cidade do mundo} Coimbra é a melhor cidade do mundo. Já repeti muitas vezes o estribilho, sem ambiguidades ou interrogações. Não há uma efabulação perante os factos mas uma certa facilidade na aplicação automática do afecto irracional. A aplicação conscienciosa de um método científico e racional aos sucessos e vicissitudes conimbricenses não só é impossível como é indesejável – o recurso à crítica sustentada (ergo, construtiva) parece não agradar às “pessoas de bem” e aos restantes capangas do bom-nome da cidade. Compreende-se, pois, que o comentário diagnóstico passe por maledicência e que a exposição descritiva seja lida como um romance de época. A “Fundação do Esquecimento” (que através de uma passividade tendente ao panegírico acrítico oculta o pó que extravasa cada equívoco ou descuido) recusa as dores da queda, negando-a. Infelizmente, os problemas surgem de novo. A Biblioteca Joanina, o casario excedendo os acidentes da geografia, a senhora que vende bolos de Ançã, os Hospitais e os jardins, o novo canal de televisão da AAC, os Encontros de Cinema Português ou esse lugar extraordinário que é o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha referem-se, na verdade, a um encanto de dupla natureza: concreto e alegórico. A evidência palpável de algum mérito é polinizada pela sugestão simbólica de grandiosidade criando a cidade irrepreensível de cada um de nós. Sem estômago para a crítica ou o desapego temporário. Para muitos, Coimbra não é uma experiência criticável. Eu penso o mesmo. Coimbra ainda é a melhor cidade do mundo. A sua história refuta qualquer tentativa de desconsideração. Sob uma forma vigorosa e, como eu considero, suportada pelos factos, é desejável, ainda assim, satirizar e reprovar quem destroça (mesmo sem saber que o faz) um átimo que seja da perfeição que sentimos em cada toque da Cabra.