27.11.04
O peso do nevoeiro é fortuito, indistinto, não tenho escrúpulos em afirmá-lo. O olhar trespassa as rochas, mais perto que longe, que o antedito não deixa ver para além de um palmo de criança, e sente o medo da solidão no solfejo alquebrado dos pinheiros e o desalento arrefecido nas rochas desnudas. O olhar, rodeado de fragas, rochas duras de medo, fixa imagens amargas na cinza brumosa da nave. Fim do mundo, pedregais [ver Cardoso Pires, Balada da Praia dos Cães, p.41]. O medo, a escuridão, o Inverno que arrefece a coragem da serra. E dos homens.
25.11.04
A raia
Silêncio. Nevoeiro frio. A pele trespassada por gotículas de solidão. As fragas, o termo do mundo. Lá, onde até a vossa face esqueci.
O regresso, amanhã.
O regresso, amanhã.
21.11.04
Até tu, Corto?
Governo vai proibir tabaco em locais públicos
Não sou contra - antes pelo contrário: a liberdade do fumador termina quando interfere com a liberdade do não-fumador -, mas espero que a cruzada higienista não cavalgue até às esferas do solo privado. Ou ao mundo da BD. Não esqueço que um dia trocaram por uma palhinha o Kentucky garboso de Lucky Luke.
Etiquetas: Banda desenhada
20.11.04
Amor de Inverno
A aldeia respira, as folhas caindo dos plátanos denunciam o tempo frio. Hoje acordei cedo, ainda a tempo de respigar o frígido abraço da geada, friccionando as mãos com a tristeza de quem sabe que não conseguirá aquecê-las. O frio, a intempérie, a chuva, o nevoeiro, a tristeza sincopada nos dias derradeiros do ano – certezas incrustadas na pele, a desesperança sazonal da meteorologia. Se te amasse o Inverno não era o último abrigo da melancolia.
Etiquetas: devaneios
17.11.04
Pontas soltas
Julgo não me enganar quando digo que todos os dias crescemos um pouco. A correia do relógio vai ficando esgarçada, o uso compassado das horas arruína o mais nobre dos obséquios. O tempo matou a eternidade.
15.11.04
Enigma 2 [ou a cegueira por Berkeley]
O prelado e filósofo Berkeley formulou no seu An Essay Towards a New Theory of Vision o seguinte problema relacionado com a realidade e a percepção da mesma: suponhamos que um homem nasceu cego e agora adulto, aprendeu a discernir um cubo de uma esfera metálicos e sensivelmente com as mesmas dimensões através de sensações tácteis. Desse modo, o homem invisual pode dizer, quando toca uma forma ou outra, qual é qual. Presumamos agora que a esfera e o cubo repousam sobre uma mesa, defronte do homem, e que que ele começa a visualizar de forma repentina. É-lhe possível, somente com a visão e antes de lhes tocar, distinguir a esfera do cubo?
p.s. Eu não sei a resposta deste "enigma". Talvez algum exegeta da cegueira.
p.s. Eu não sei a resposta deste "enigma". Talvez algum exegeta da cegueira.
13.11.04
Enigma 1
Os predicados são elementares: uma casa com quatro paredes, todas volvidas para Sul, e uma única porta. Um urso fareja as vizinhanças e decide bater à porta. A questão que coloco: de que cor é o urso?
Etiquetas: infância
11.11.04
10.11.04
Novembro
O teu beijo arrisca delicadezas a que não estou habituado. A civilidade dos teus lábios de romã, nas arrefecidas manhãs de Novembro, lembra as folhas subjugadas pelo ocaso dos dias – o vermelho esvoaçante, a intimidade de um momento, a efemeridade da beleza. Um beijo com sabor a castanha seria, porventura, menos poético. Indubiamente mais saboroso.
9.11.04
Indecente vida
As ruas desertas acossam de melancolia estranhos passantes, sem rumo definido mas ansiosos por chegar a algum lugar. O pior de tudo é não saber o que está do outro lado.
A amizade não morre, os amigos sim. Choro, o descaminho de uma amizade é remediável, a perda de um amigo nunca é.
A amizade não morre, os amigos sim. Choro, o descaminho de uma amizade é remediável, a perda de um amigo nunca é.
6.11.04
F...-se
Imaginem a visita do espectro da perda quando, depois de escreverem um texto enorme, alguma coisa acontece e o maldito computador vai abaixo, levando com ele as preciosas palavras que tanto trabalho deram a entretecer. Qual a palavra, tão prolixa no calão de rua, que imediatamente assoma na ponta língua?
4.11.04
Diletante
Um olhar adiado soluça encostado à parede suja do matadouro. O limite do homem é a morte, preguiçoso demais para olhá-la de frente.
3.11.04
Ohio: traíste-nos assim…
Que a democracia não é um sistema perfeito já o sabíamos, afinal Hitler chegou ao poder legitimado pelo voto popular [ao contrário de Santana Lopes]. A democracia americana, como qualquer outra, não é ideal. Afinal, Bush chega mais uma vez ao poder, legitimado [desta vez…] pelo arbítrio dos americanos. O sistema não é perfeito, repito, mas é o melhor que temos. Pese a dolência que me enlameia a alma, não posso deixar honrar o vencedor, W. Bush, e o digno vencido, John F. Kerry.
A divisa “Bate-me que eu gosto” passa a constar do verde papel-moeda americano, substituindo a famigerada elocução “In God we trust”.
A divisa “Bate-me que eu gosto” passa a constar do verde papel-moeda americano, substituindo a famigerada elocução “In God we trust”.