Passeio Público
(A importância da taxonomia)
Numa entrevista publicada na última edição do “Jornal de Letras”, o escritor austríaco Peter Handke confessou que o seu trabalho do momento é andar pela floresta a apanhar boletos. Em Portugal, toda a gente com acesso a uma mata anda a apanhar tortulhos. É Outono, estação magoada e propícia à nostalgia, temporada de folhas caídas e fungos gastronomicamente valorizados.
Para mim, é pouco natural que Barry Seaman (um dos avatares da ambição bendita de Roberto Bolaño, em “2666”) tenha ressuscitado graças às costeletas de porco; afinal, a nossa tradição gastronómica não valoriza assim tanto esse retalho da anatomia do suíno e, que eu saiba, apenas Lázaro e Jesus Cristo lograram regressar do conforto eterno da morte. Não obstante, parece ser natural (em termos estatísticos, pelo menos) morrer devido à ingestão de cogumelos venenosos.
No distrito de Coimbra, são muitas as vítimas das superstições e da ignorância no que toca aos venerados fungos. Em apenas duas semanas, contam-se três mortes e vários internamentos em hospitais da região, motivados pela deglutição confiada de cogumelos não comestíveis. As circunstâncias são graves - e pouco exploradas pela avidez insensata de alguma comunicação social – e sugerem que, afinal, um acto gastronómico aparentemente inócuo pode ter consequências mais severas que uma infecção pela famigerada gripe A.
Infelizmente, uma pequena parte das pessoas que se dedica à colheita de cogumelos não distingue um míscaro de um pinheiro-bravo. Tal-qualmente, não destrinça um tortulho de um dos muitos cogumelos tóxicos. O destino dessas pessoas é pouco auspicioso. Aparentemente, o homérico desconhecimento da taxonomia destes fungos não inibe algumas de pessoas de os recolher, de os cozinhar e de os consumir. As consequências desta leviandade rampante podem ser avaliadas nos repositórios clínicos dos Hospitais da Universidade ou dos Covões. As pessoas dão tanto valor aos cogumelos que não se importam de morrer por eles.
(Hoje, 27/11, no Jornal de Notícias)
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