Estéticas da morte #sessenta
& assim terminou a sua vida, resfolegando como um novilho. Quanto a D. Berenice, haveria de viver ainda dois carros de anos – se ainda se recordam desta medida tão pícara, perceberão que não foi assim tão pouco – mas agarrada já ao túmulo, à escuridão do que ainda havia de vir, & pouco importada com a fortuna, com os jardins da casa de Alvouco ou com a educação do menino Américo. Chorou uma única vez, durante todos esses anos, porque se queimou a fazer o café (ou possivelmente o chá), sorriu ainda menos & esqueceu o uso das palavras – ninguém mais lhas escutou. Podia dizer-se que D. Berenice foi vivendo, mas o mais correcto talvez seja dizer-se que D. Berenice foi morrendo
(sem no entanto chegar de facto a morrer).
Sei bem o que digo: ando há dias a pensar nisto que aconteceu a D. Berenice (esta respiração pendente, este sono empedernido) & entretanto algum cheiro há-de surgir. Então, declará-la-ei finalmente morta - como é lógico supor, e a menos que ela se levante sem nada dizer, se dirija à cozinha e me prepare uma infusão de ervas, como é, de resto, seu hábito antigo.
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