Passeio Público
(O crime compensa)
Os dias ficam para trás mas escrever é, naturalmente, um acerto de contas com o passado. Devo ter pensado nisto, duas ou três vezes, antes de chegar a uma precária conclusão: a autenticidade reside muitas vezes no desejo de transgressão. O facto de esta ideia cumprir as premissas da verdade é atestado pela pequena perturbação que uma auditoria do Tribunal de Contas (TC) provocou recentemente e que se referia à gerência de 2007 da Universidade de Coimbra (UC).
Os dias ficam para trás mas escrever é, naturalmente, um acerto de contas com o passado. Devo ter pensado nisto, duas ou três vezes, antes de chegar a uma precária conclusão: a autenticidade reside muitas vezes no desejo de transgressão. O facto de esta ideia cumprir as premissas da verdade é atestado pela pequena perturbação que uma auditoria do Tribunal de Contas (TC) provocou recentemente e que se referia à gerência de 2007 da Universidade de Coimbra (UC).
De acordo com o relatório do TC, a Universidade era credora, a 31 de Dezembro de 2007, de 4.6 milhões de euros referentes a propinas por pagar. Uma parte substancial desta dívida, 2.6 milhões de euros, remete para situações de cobrança duvidosa, referindo-se especificamente a propinas de alunos de licenciatura com antiguidade superior a um ano, não incluídas em quaisquer planos de liquidação. As mais provectas recuam até aos interessantes anos de 1992-93 (muitos dos leitores masculinos ainda usavam o cabelo comprido).
Afinal, o desejo de suspensão das propinas, a que aludi na semana passada, tem sido satisfeito, pelo menos na UC, e desde há muito tempo. O facto não deixa de ser interessante. Sobretudo, porque parece constituir uma afronta à igualdade de princípio de todos os estudantes. O cânone é claro: todos têm que pagar (justa ou injustamente, não interessa) para que, depois do último exame, possam solicitar o diploma que certifica o seu grau académico.
Desse modo, quando a UC transige, talvez devido ao jugo inescapável da sua burocracia, as dívidas relativas ao pagamento de propinas por parte de alunos não bolseiros, facilita o sucesso daqueles que representam apenas os seus próprios interesses. Também por isto, a suspensão temporária das propinas, com consequências sobre todos os estudantes, pode constituir uma boa medida a curto prazo.
Felizmente, o peso burocrático da vetusta instituição académica aligeirou-se muitíssimo nos últimos anos e talvez seja possível corrigir estas insuficiências. Entretanto, o crime parece compensar.
(Ontem, 02/04, no Jornal de Notícias)
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