O erro de Lévi-Strauss (o antropólogo, não os jeans…)
Onde é que Lévi-Strauss errou?, questiona o Bruno no Avatares de um Desejo. A resposta a esta indagação não é fácil, tornando-se difícil extirpá-la de condicionamentos de ordem emocional, que a mim particularmente me tocam, em virtude da desmedida admiração científica que nutro pelo grande antropólogo estruturalista.
Começo por recordar que as posições político-ideológicas facilmente invadem as ciências, assumindo essa irrupção uma conformação difusa e límbica, que, muitas vezes, torna o discurso científico refém de apropriações posteriores indevidas. A tomada de posição de Lévi-Strauss acerca do racismo no clássico Raça e História e no polémico O Olhar Distanciado, resultou numa reivindicação impúdica por parte da extrema-direita francesa de uma parte dos argumentos do antropólogo a propósito da presença imigrante no território da França. Tal se deve sobretudo ao famoso paradoxo presente em Raça e História (Lévi-Strauss, 1989: 91): “ […] para progredir é necessário que os homens colaborem; e no decurso desta colaboração, eles vêem gradualmente identificarem-se os contributos cuja diversidade inicial era precisamente o que tornava a sua colaboração fecunda e necessária. […] O progresso da humanidade […] é uma função de uma coligação entre as culturas. […] Mas a comunicação […] tem como consequência a homogeneização cultural, um apagamento das diferenças que seria mortal.” Estas asserções formuladas com o intuito cardinal de lutar contra o ocidentocentrismo e de salvaguardar as culturas indígenas ameaçadas pelo epistemícidio perpetrado pelo Ocidente, foram canibalizadas por uma extrema-direita populista e sedenta de legitimar cientificamente o seu discurso racista e xenófobo.
O erro de Claude Lévi-Strauss terá sido, pois, a tentação em cair no abismo do relativismo cultural, que, reificando a diferença, acaba por demonstrar a incomensurabilidade dos sistemas culturais. Como afirma Sperber (1992: 95) o relativismo, enquanto postura filosófica e científica, substituiu a hierarquização da diferença por “um apartheid cognitivo: se não podemos ser superiores num mesmo universo, que cada povo viva no seu próprio universo”. O neo-racismo coetâneo não faz mais do que apropriar-se das concepções antropológicas do relativismo cultural, que, se por um lado suspende os juízos acerca da diferença cultural, por outro lado valoriza desmedidamente essa diferença.
Leituras: Lévi-Strauss, C. (1986). O Olhar Distanciado. Lisboa: Presença
Lévi-Strauss, C. (1989). Raça e História. Lisboa: Presença
Sperber, D. (1992). O Saber dos Antropólogos. Lisboa: Ed. 70
p.s. Parece que estes temas, supostamente desinteressantes para os demais, fruem de boa visibilidade entre pessoas cultas e inteligentes, sendo acarinhados por homens de grande envergadura humana e intelectual.
p.p.s. Depois de um dilúculo ensonado, a leitura de Aviz, Avatares de um Desejo e Companhia de Moçambique fazem-me regressar ao mundo onírico. Obrigado RMP pela intervenção seminal, na blogoesfera, relativamente à história e crítica epistemológica da Antropologia Física.
Começo por recordar que as posições político-ideológicas facilmente invadem as ciências, assumindo essa irrupção uma conformação difusa e límbica, que, muitas vezes, torna o discurso científico refém de apropriações posteriores indevidas. A tomada de posição de Lévi-Strauss acerca do racismo no clássico Raça e História e no polémico O Olhar Distanciado, resultou numa reivindicação impúdica por parte da extrema-direita francesa de uma parte dos argumentos do antropólogo a propósito da presença imigrante no território da França. Tal se deve sobretudo ao famoso paradoxo presente em Raça e História (Lévi-Strauss, 1989: 91): “ […] para progredir é necessário que os homens colaborem; e no decurso desta colaboração, eles vêem gradualmente identificarem-se os contributos cuja diversidade inicial era precisamente o que tornava a sua colaboração fecunda e necessária. […] O progresso da humanidade […] é uma função de uma coligação entre as culturas. […] Mas a comunicação […] tem como consequência a homogeneização cultural, um apagamento das diferenças que seria mortal.” Estas asserções formuladas com o intuito cardinal de lutar contra o ocidentocentrismo e de salvaguardar as culturas indígenas ameaçadas pelo epistemícidio perpetrado pelo Ocidente, foram canibalizadas por uma extrema-direita populista e sedenta de legitimar cientificamente o seu discurso racista e xenófobo.
O erro de Claude Lévi-Strauss terá sido, pois, a tentação em cair no abismo do relativismo cultural, que, reificando a diferença, acaba por demonstrar a incomensurabilidade dos sistemas culturais. Como afirma Sperber (1992: 95) o relativismo, enquanto postura filosófica e científica, substituiu a hierarquização da diferença por “um apartheid cognitivo: se não podemos ser superiores num mesmo universo, que cada povo viva no seu próprio universo”. O neo-racismo coetâneo não faz mais do que apropriar-se das concepções antropológicas do relativismo cultural, que, se por um lado suspende os juízos acerca da diferença cultural, por outro lado valoriza desmedidamente essa diferença.
Leituras: Lévi-Strauss, C. (1986). O Olhar Distanciado. Lisboa: Presença
Lévi-Strauss, C. (1989). Raça e História. Lisboa: Presença
Sperber, D. (1992). O Saber dos Antropólogos. Lisboa: Ed. 70
p.s. Parece que estes temas, supostamente desinteressantes para os demais, fruem de boa visibilidade entre pessoas cultas e inteligentes, sendo acarinhados por homens de grande envergadura humana e intelectual.
p.p.s. Depois de um dilúculo ensonado, a leitura de Aviz, Avatares de um Desejo e Companhia de Moçambique fazem-me regressar ao mundo onírico. Obrigado RMP pela intervenção seminal, na blogoesfera, relativamente à história e crítica epistemológica da Antropologia Física.
Etiquetas: antropologia, Claude Lévi-Strauss
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