Passeio Público
(Co-incineração suspensa)
A defesa intransigente do Choupal, o ressurgimento das hortas urbanas, a resistência à instalação de uma central termoeléctrica em Taveiro, e até a projectada construção de um fluviário dedicado, em exclusivo, à fauna piscícola do Mondego, modelam-se numa certa forma de pensar o mundo, a ecologia, que reprime o lucro em favor da consciência ambiental e da vulgarização do bem-estar – incluindo o das pedras, plantas e demais bichezas. O ambiente é, definitivamente, o tema do momento em Coimbra. Faço votos para que seja longo o seu caminho.
E agora, de novo, Souselas. Depois de anos de luta e tiros perdidos, de avanços e retrocessos, uma vitória significativa dos opositores da queima de resíduos industriais perigosos (RIP) nas instalações da Cimpor reabre definitivamente o dossier da co-incineração. O Tribunal Central Administrativo do Norte suspendeu o processo na cimenteira de Souselas, de acordo com Castanheira Barros, o representante de um grupo de cidadãos que moveu uma acção cautelar contra a licença de exploração da incineração de RIP (poderia arriscar a interpretação destas iniciais mas abstenho-me de tal experiência).
A referência ao discurso que Churchill realizou em Londres, em 10 de Novembro de 1942, é quase inevitável: não será o fim, nem sequer o princípio do fim, até porque longas vão as hostilidades e o Ministério do Ambiente e a Cimpor vão, com certeza, recorrer da sentença, mas talvez o fim do princípio de um longo conflito que confronta a saúde e a tranquilidade da população de Souselas e Coimbra com os propósitos lucrativos da cimenteira.
É claro que a co-incineração, enquanto processo técnico, pode ser perfeitamente inócua para o meio ambiente. Mas o contrário parece ser mais provável: a cimenteira é frequentemente encoberta por nuvens de pó, a massa vegetal de Souselas desaparece, lenta e inexplicavelmente, os peixes morrem no rio Botão. O próprio acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte refere a “existência de um risco de concentração de poluentes susceptíveis de aumentar o risco de contrair certas doenças por parte de quem vive nas proximidades”. Daquelas chaminés não escapam dádivas benignas.
A decisão do Tribunal Central Administrativo do Norte distancia Souselas dos desastres possíveis que a inconsciência ambiental sempre acarretam, pelo menos por algum tempo. A contenda desloca agora o seu eixo para o Choupal.
(Ontem, 19/02, no Jornal de Notícias)
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