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12.2.09

Carlitos Darwin: o darwinista relutante #4

Charles Darwin nasceu a 12 de Fevereiro de 1809 em Shrewsbury, Shropshire, Inglaterra. Darwin é, para além de Albert Einstein, o cientista mais reconhecido pelo público interessado, mas não especializado, nos meandros da ciência. Ilustrado numa nota de £10, Darwin é convocado de forma banal à intimidade dos Britânicos. No âmago rural dos Estados Unidos da América – no famigerado Bible Belt – reservam-lhe, não poucas vezes, o estatuto de apóstata e herege, de “capelão do demónio”, como o próprio referiu uma vez de forma trocista. Em Portugal, ou é ignorado ou é considerado de forma fragmentária, parcial e preconceituosa. Não obstante, a vida e o trabalho de Charles Darwin, quando são conhecidos, são usualmente limitados ao seu opus magnum, a Origem das Espécies.

A verdade é que existe um Darwin para além da Origem: no início um menino rico, esbanjador. Às vezes cientista. Uma odisseia fulcral e transformadora no pequeno Beagle. Uma carreira científica ímpar e subversiva como geólogo, primeiro, e como biólogo, depois. Uma família amada em crescendo geométrico (a invectivar o inspirador Malthus?). Amizades sinceras, outras nem tanto. Doenças, muitas doenças, e amargura.

Quem foi então este Charles Darwin, desconhecido? Acomodo, naturalmente, os seus feitos científicos no contexto da Inglaterra do período vitoriano: em plena revolução industrial, dickensiana. Se é verdade que o estatuto social e económico da família Darwin permitiu que o jovem Charles tivesse uma educação privilegiada (Universidade de Edinburgo, Universidade de Cambridge), com dedicação total aos estudos e todas as benesses inerentes a uma situação económica desafogada, tal não supõe de forma directa que num único homem, apenas, se combinaram todos os factores necessários para desenvolver a ideia de evolução. Como afirmam os autores, em Darwin sucedeu uma combinação de experiência a bordo Beagle, imaginação, liberdade para trabalhar e, talvez o mais importante, a influência de uma forte tradição familiar de interesse e capacidade científicas. Diga-se, no entanto, que um Alfred Russel Wallace sem educação formal e provindo de um estrato socioeconómico carenciado, amarrou ideias a partir dos seus próprios dados e forjou uma teoria similar à de Charles Darwin. Por outro lado, John MacGillivray, o ébrio e dotado naturalista do HMS Rattlesnake, com um background social e percurso científico semelhantes aos de Darwin, não destinou quaisquer implicações evolutivas aos dados que foi recolhendo nas suas viagens. Portanto, o social não influencia definitivamente e em exclusivo a produção científica de excepção. Penetrando em terrenos movediços, arrisco falar em criatividade singular, em uma centelha de genialidade de Darwin.

Na relação com a família, com o pai e com o seu irmão e depois com a esposa e os filhos, a preocupação maior de Charles parece ter sido a de assegurar a estabilidade – emocional mas também financeira – aos seus e a si mesmo. Estabilidade e segurança perdidas em momentos como a morte da sua mãe ou da sua filha Annie. O amor que devotou a Emma Wedgwood, a cristianíssima esposa, terá mesmo influenciado de forma decisiva o protelamento da divulgação das suas ideias evolucionistas. Darwin foi resguardando as suas concepções heterodoxas, pelo menos 20 anos se passaram entre as primeiras letras demoníacas e a carta de Alfred Russel Wallace, que acelerou a célebre conferência da Geological Society em que os dois cientistas, em jargão críptico, disseram que não havia mão de Deus sobre as criaturas, que era tudo obra do acaso, do tempo e da selecção natural. Esmagado pelo seu trabalho herético, Charles demorou a confiar as suas ideias a outros colegas. Escolheu Charles Lyell que, para enorme tristeza de Darwin, nunca aceitou completamente a teoria da evolução. No entanto, as suas relações com John Hooker e T.H. Huxley, por exemplo, valeram-lhe, não só duas amizades perenes, como o solícito auxílio de dois convictos sequazes, no dealbar das perenes lutas entre criacionistas e evolucionistas.

Evoco a imortal jornada de Charles Darwin a bordo do Beagle. O próprio Darwin reconheceu o carácter revolucionário e transformador que a viagem operou no seu pensamento acerca da natureza e origem das espécies:

When on board HMS ‘Beagle’ as naturalist, I was much struck with certain facts in the distribution of the organic beings inhabiting South America, and in the geological relations of the present to the past inhabitants of that continent. These facts, (…) seemed to throw some light on the origin of the species – that mystery of mysteries.

Para além da colecta de dados essenciais à formulação de uma teoria válida da evolução, a viagem do Beagle ajudou Darwin a cimentar uma reputação científica junto da intelligentsia inglesa. Dos milhares de páginas de apontamentos e da colecção sistemática de especímenes geológicos, botânicos e animais resultou um trabalho de consolidação académica – em áreas científicas “ortodoxas” – que seria fundamental para a construção da imagem de Darwin enquanto sábio e, portanto, para a legitimação das suas ideias revolucionárias. Isso mesmo, revolucionárias – e das “melhores”.

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