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11.2.09

Passeio Público

(Hortas urbanas)

Somos humanos mas isso é apenas um pormenor evolutivo: somos animais, macacos depilados que, num incerto momento, descobriram o fogo e a sua densidade apaziguadora, que é como quem diz a cultura e a fuga tolerável à opacidade da natureza. Porém, não é possível iludir a vontade de permanecermos fiéis a nós mesmos, à nossa própria essência.

Vivemos nas cidades, entre aço e betão, mas pouco sabemos desse ambiente hostil, dos seus riscos e sombras. Tão pouco recordamos as narrativas rurais, o fascínio da sementeira (realizada com moderação e um pouco contra a vontade, como quem arrisca as coisas que teme perder), a nostalgia do paraíso perdido. Caminhamos no limbo, sobre ruínas e tesouros esquecidos.

Durante centenas de anos, e até bastante tarde no séc. XX, campos agrícolas envolviam Coimbra – a própria cidade encontrava-se trespassada por uma “ruralidade física”: no seu âmago persistiam hortas, tapumes e quintais. A pressão urbanística foi suprimindo estas ínsulas rurais que, no final do século passado, praticamente deixaram de existir.
Felizmente, as hortas urbanas regressam lentamente à paisagem da cidade. Para além das hortas pertencentes a particulares, promovem-se alguns projectos de hortas comunitárias, no Bairro do Ingote e agora também em terrenos municipais no Alto de S. Miguel/Ingote, S. Martinho do Bispo, Portela e Vale das Flores, que recuperam experiências antigas – de valor ecológico, económico e social inquestionável. Não esquecemos Robert Frost: “Nature’s first green is gold”.

O projecto “Hortas do Ingote”, iniciado em 2006, é um caso perceptível de sucesso. A parceria do Departamento de Habitação da Câmara Municipal de Coimbra com a Escola Superior Agrária de Coimbra, através de uma espécie de “arqueologia dos saberes”, resgata gestos fecundos e paisagens produtivas: uma leira cultivada é um universo de potencialidades inumeráveis.

Amanhã comemora-se o nascimento de Charles Darwin. O célebre naturalista inglês ficaria, seguramente, encantado com o destino profícuo que é dado agora aos terrenos baldios na cidade de Coimbra.
(Hoje, 11/02, no Jornal de Notícias)

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