Passeio Público
(Vocês sabem do que é que eu estou a falar)
Existe um desastroso conúbio entre o poder autárquico, as grandes empresas de construção civil e o futebol – refiro-me, obviamente, a uma fracção (não desprezível, porém) destes “sustentáculos” da sociedade e não a todos os seus agentes. Os propícios enleios e amplexos entre os três universos (aparentemente tão distantes) são conhecidos, falados e até criticados.
Mas, porque nem tudo neste mundo é perfeito, prospera ainda o impudico salsifré que confunde os gestos das câmaras municipais com as aspirações das construtoras e dos clubes de futebol e até a expectativa dourada dos apitos das investigações policiais empalidece a cada dia que o calendário suprime.
Vem esta prédica a propósito de quê? Na última reunião quinzenal da Câmara Municipal de Coimbra (CMC), o vereador Horácio Pina Prata demonstrou a sua inquietação relativamente a uma série de contradições e incoerências relativas ao urbanismo da cidade, tendo deduzido a existência de especulação imobiliária com justificações pouco transparentes. O presidente da Câmara, Carlos Encarnação, foi directamente visado pelas críticas de Pina Prata.
Na sequência desta denúncia, a Polícia Judiciária decidiu auscultar o vereador, ao abrigo de uma inquirição preventiva, com o intuito de coligir possíveis indícios da prática de crime. Como é evidente, nem todos sabem do que fala o vereador. Para um qualquer habitante da cidade, assim como para as autoridades policiais, a celebre frase de Octávio Machado não passa de um estribilho vazio e oco. As acusações, tão graves quanto surpreendentes, não podem deixar de ser substanciadas.
O anterior número dois do executivo excitou suspeitas dolorosas e adiantou um culpado. Agora, Pina Prata não pode voltar atrás, não pode guardar as respostas possíveis para um dia mais tarde. Nunca é o silêncio que se faz ouvir. O vereador tem que provar o que diz – senão, perde-se irremediavelmente na capa sombria da hipocrisia. E, sobretudo, arruína de forma extemporânea o íntimo desígnio de se candidatar à Câmara Municipal nas eleições autárquicas do próximo ano.
(Ontem, 17/09, no Jornal de Notícias)
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