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15.5.08

Passeio Público

(Descalçar a bota)

Pode parecer estranho (e é, sem dúvida) mas sempre que ouço falar num “tabu” em torno da (re)candidatura a um cargo político, essa excentricidade de conduta programática (seja lá o que isso for) de alguns políticos portugueses, recordo-me das palavras de Robert Browning: “(…) quando a luta começa dentro de si, um homem vale alguma coisa”.

Argumento: qualquer político que adopta (conscientemente ou não) a estratégia do “tabu” veicula a ideia de que, no seu íntimo, contendem a inclinação para o afastamento voluntário das lides políticas (depois de um auto-satisfeito “trabalho bem feito”) e o espírito “patriótico” de missão. Esta “luta” interior é relevante: mesmo não valendo muito, o político valoriza o seu perfil eleitoral ao persuadir as gentes que não deseja a secretária do poder ou que não está agrilhoado a ela. O propósito é singelo: mostrar modéstia e abnegação democráticas.

Os “tabus” de Cavaco Silva, por exemplo, são famosos. Em Fevereiro, alguma comunicação social vislumbrou indícios do famoso “tabu” em declarações de José Sócrates numa entrevista televisiva.

Na semana passada, durante o lançamento da candidatura de Manuel Oliveira à concelhia de Coimbra do PSD, Carlos Encarnação insinuou a sua recandidatura à presidência da Câmara Municipal. Sem aludir directamente ao assunto, o autarca conimbricense provou conhecer bem a arte da metáfora, mostrando-se disponível para novas caminhadas eleitorais com os seus velhos e sólidos sapatos.

Não configurando o molde clássico do “tabu”, as afirmações ambíguas de Encarnação podem ser entendidas como uma forma de tomar o pulso aos eleitores e, porque não?, aos militantes do seu próprio partido. Depois de dois mandatos em que alguns projectos estruturantes para a cidade, como o Metro Ligeiro de Superfície, conheceram retrocessos substanciais e talvez perspectivando a “balcanização” e a falência sistémica do PSD nacional (e o imaginável revés eleitoral nas legislativas de 2009), Carlos Encarnação parece querer submeter-se ao parecer e à sentença populares antes do justo tempo eleitoral.

O presidente da Câmara de Coimbra percebeu que a sua alegoria será avaliada e dissecada até ao osso. Percebeu, acima de tudo, que o ar do tempo é desfavorável e sugere alguma prudência. Os caminhos são poucos e difíceis e Encarnação sabe que, depois de calçados os sapatos, poderá achar uma bota difícil de apaziguar: a derrota nas próximas eleições autárquicas.

(Ontem, 14/05, no Jornal de Notícias)

Ler também: A alegoria dos sapatos, de Paulo Valério

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