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1.5.08

Passeio Público

(Nesta cidade onde fomos jovens)

Parece um epitáfio: nesta cidade onde fomos jovens. Ainda não sou um velho (vem longe a condição) mas envelheço, torno-me memória. O meu corpo é o mesmo, a cidade também. “Aqueles” sete dias, não. São nove.

Sete dias (nove) que, como dizíamos dantes (“antigamente”), valiam por dois meses nas Caraíbas. Agora não valem grande coisa, digamos que valem apenas o que valem, sete dias (nove) de vida mediana, trivial: acordar às nove, banho e dentes, pequeno-almoço, trabalho, almoço, café, trabalho, café, casa, cama. Vinte e quatro horas vezes sete (nove) disso. Não estou para fazer as contas. Não é disso que quero falar.

A Queima das Fitas. Agora são nove dias. O Cortejo é ao Domingo. O Cortejo é dos Grelados (e não dos Quartanistas). O Quim Barreiros não vem (o melhor da noite do Cortejo talvez fosse a romaria ao palco principal para prestar humilde e sincera homenagem ao Quim, bardo popular e animador de multidões). Há uma mascote: o risonho Fitas. A Serenata Monumental que, tradicionalmente, assinalava o começo das festividades, partilha a noite com o Parque.

A Queima das Fitas? Uma festa de estudantes ou um festival de Verão (em Maio)? As diferenças são poucas - na primeira, as pessoas usam traje académico e não as coloridas pulseiras de plástico. O resto é negócio. A alma já não se vende, nunca existiu.

Isto dito, não abomino radicalmente a essência das alterações ao programa da Queima das Fitas de Coimbra. Não partilho a ideia de que a tradição deve permanecer imutável e encerrada numa espécie de cápsula onde qualquer metamorfose se detém. A tradição releva sempre de um passado, é certo. Um passado que se usa, ou não, na construção do presente. Esse é o encanto da tradição, a sua fluidez na constância. Resta a adaptação à incerteza do que se prepara com afinco na Padre António Vieira. As pessoas vão gostar. Não é difícil.

A nossa hereditariedade deve ser usada e não negada, observou sensatamente Eliot. Ideia ambígua, e frágil, diante das promessas enleadas na mudança e na rebeldia oposta à tradição. Tudo isto tem um preço. Pago por uma cervejeira e pelas famílias domingueiras que não hão-de faltar aos abraços satisfeitos do Cortejo.

Nada disso interessa. A festa continua.

(Ontem, 30/04, no Jornal de Notícias)

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