Passeio Público
Anteontem, 06/02, no Jornal de Notícias
[Marinho de guerra]
Não sei bem porquê mas no rescaldo da eleição do novo Bastonário da Ordem dos Advogados desconfiei imediatamente que, na quietude de zéfiro da justiça, se movimentava enfim um vento provocante e arrasador. O instinto apropriado: finalmente, um Bastonário com pommodoros. Marinho Pinto já marcou território com um odor inconfundível. Quem, como eu, se interessa furtivamente pelo estado da justiça em Portugal, não fica indiferente. Os recados do novo Bastonário têm sido demasiado contundentes para serem ignorados.
Pode-se não gostar do estilo bulldozer, do sotaque ou das gravatas mas não há dúvida que o causídico de Coimbra agitou decididamente as remansosas e lamacentas águas da justiça e política portuguesas e é dos poucos que denuncia sem temor as pequenas misérias que as inquinam. O triunfo de Marinho Pinto, no crepúsculo da “Grande Entrevista” da RTP: a corrupção acha-se de novo na agenda dos meios de comunicação e nas conversas dos portugueses.
Como seria expectável, as afirmações do Bastonário da Ordem dos Advogados transtornaram os agentes da justiça, os políticos e os jornalistas, que prontamente lhe reagiram com um tropel de censuras ou depurando louvores. As críticas foram de espectro largo. Marinho Pinto foi criticado por lançar suspeitas sobre altos dirigentes políticos, por não concretizar as acusações que fez sobre alegados actos de corrupção, por ser demagógico, populista ou meramente queixinhas. Na realidade, as afirmações de Marinho Pinto tiveram um efeito concreto sobre a investigação da corrupção: o Procurador-Geral da República decidiu a abertura de um inquérito que será conduzido pela magistrada Cândida Almeida, directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal.
Parece-me que esta avalanche de criticismo radica daquilo a que Lord Byron chamava “age of cant”, a era da hipocrisia. A fastidiosa hipocrisia que, e recordo as palavras de Stendhal, “tem a imensa vantagem de proporcionar aos tolos motivos de conversa: escandalizam-se quando alguém ousa dizer isto ou aquilo”. Hipocrisia e, talvez, o receio dos estilhaços. A história ainda vai curta.
Termino com uma das “manhas” a que Marinho Pinto aludiu na entrevista a Judite de Sousa: a venda do prédio dos CTT, na Rua Fernão de Magalhães em Coimbra. O caso remonta a 2003 e, na altura, o imóvel valorizou cerca de cinco milhões de euros em poucas horas, tendo sido vendido de CTT à Demagre por 14,8 milhões de euros e, posteriormente, pela Demagre à Gespatrimónio (Grupo Espírito Santo) por 20 milhões de euros. No mesmo dia. Antológico e grotesco. Pavoroso. Mais um caso sumido nas gavetas do olvido. Talvez por pouco tempo.
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