Passeio público
Ontem, no Jornal de Notícias
O filósofo conservador Michael Oakeshott escreveu um dia que “as mudanças são circunstâncias às quais nos temos que acomodar”. Em Portugal, muitas vezes, a adaptação e aclimatação à mudança são desnecessárias. São redundantes. As coisas mudam pouco. Sobretudo o que está mal. As coisas são “para serem feitas devagar”, as mudanças “dão trabalho” e as pessoas não estão para “se chatear”, exigindo uma “mudança para melhor”. Somos assim (aqui concedo espaço a devaneios essencialistas): acomodados por natureza. Efectivos conservadores e protectores da estabilidade.
Analisemos uma situação – excêntrica mas, de certa forma, paradigmática – que ilustra a cultura do laxismo e partidária do “deixa andar” adoptada pelo português médio: a conjuntura em que, por uma razão ou por outra, se vai “comer fora”. Ir a um restaurante é um ensaio sociológico extraordinário. É uma experiência memorável se tivermos a felicidade (ou a sapiência dos iniciados) de encontrar um restaurante que reúna uma série de condições que nos encham literalmente o estômago de boas reminiscências. Coisas simples: bons preços, ementa sortida, pratos fartos e aprazíveis, atendimento cortês, asseio e esmero na decoração. Coisas elementares, singelas. Quando as coisas não são assim – o que acontece inúmeras vezes – não protestamos, abrimos a boca somente para tentar engolir algum pedaço mal amanhado de frango ou alguma batata frita em óleo dado ao mundo em meados dos anos de 1990. E voltamos no outro dia, se necessário for. Sempre de sorriso nos lábios. E com muita fome. Como dizia Cícero, quando não tinha nada melhor para dizer: “O melhor tempero da comida é a fome.”
O nosso país tem uma gastronomia óptima. As pessoas são, de um modo geral, afáveis. E asseadas, limpas. Temos óptimos restaurantes. Não percebo é porque estão tão mal repartidos pelas diferentes regiões do país. Exceptuando alguns casos notáveis (não vou fazer publicidade), Coimbra tem uma restauração sofrível. Nalguns casos é mesmo terrível. Péssima. Coimbra é uma cidade de restaurantes típicos dos países em vias de desenvolvimento. Piores. Pelo menos nesses países os empregados são simpáticos e solícitos. As montras são exóticas e inundadas pelo folclore local. Não fazem a apologia do “kitsch”, do plástico fluorescente e do mau gosto.
O problema é que a cidade só pensa nos estudantes e nos jantares de curso. A qualidade nivela-se pelos oito euros e meio que custa o bife de porco grelhado (acompanhado de arroz e salada) e o vinho “à discrição”. A índole da restauração conimbricense deve ainda muito à ambiência das tascas de outrora. Com o que isso tem de bom e mau. Nesta altura do ano, com a sombra da Latada estreitada sobre a cidade, os restaurantes enchem-se de estudantes pouco exigentes em matérias gastronómicas. A mesa é fraca mas nunca está vazia de gente. E quem quiser comer bem pode sempre ir passear para outro recanto do país.
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