Apanharei espigas atrás daquele em cujos olhos eu achar graça*
Uma silhueta onde antes havia carne e odor de gente. Uma sombra na escuridão. Dirão os físicos que tal fenómeno é impossível mas garanto-vos que a vejo sempre nos recantos mais escuros da memória, demorada, à espera de qualquer coisa que me tem escapado desde o início. A verdade é que a sombra não chega a incomodar-me. São formas indefinidas – mas definíveis e redutíveis a um corpo conhecido. Quis esquecê-la, remetê-la ao oblívio de uma lágrima comida pela areia. A memória é, no entanto, fluida: uma maré de pensamentos. A água que reflui pode não voltar mais à praia. Mas muitas vezes essa mesma água retorna e traz com ela velhos conhecidos. Esta silhueta é isso: um velho conhecido. Deito-me com ela, acordo com ela, tomo o pequeno-almoço com ela, trabalho com ela. Até tomo banho com ela [e ela é tão pudica]. Mesmo sem substância corpórea, creio que esta sombra carrega nela a fisicalidade do que foi, um vestigium vitae de eras passadas. Afeiçoei-me a ela e, por isso, não a quero perder. Ouve:
Sou como Rute. Não me peças que te abandone e deixe de te seguir, porque onde quer que vás irei eu. O mais rígido dos zelotas.
Sou como Rute. Não me peças que te abandone e deixe de te seguir, porque onde quer que vás irei eu. O mais rígido dos zelotas.
*Rute 2:2
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