Passeio Público
(Espírito da cidade)
A saúde é melhor que a riqueza. É o que se costuma dizer, pelo menos. A doença é quase sempre uma condição perniciosa mas, ainda assim, faz parte da angústia de viver. Cerca-a uma espécie de mitologia da perda mas só quando morremos é que perdemos verdadeiramente. Na morte tudo se consuma e decide mas, entretanto, luta-se. Desrespeita-se a ordenação essencial da doença que, no seu curso obediente e sem qualquer intervenção terapêutica, se manifesta crua e hostil.
Os hospitais (qualquer estabelecimento de saúde) não podem ser senão locais onde impera uma terrível lucidez: perante uma disfunção somática, e a possibilidade da morte, resta-nos a competência de auto-regeneração corporal e a assistência colateral dos médicos, enfermeiros e até das canjas de galinha.
Existe um vínculo directo entre Coimbra e a “saúde institucional” – o conhecimento médico e as instituições de saúde reanimam, há muitos anos, a tranquilidade disciplinada do Mondego. É mais fácil (metaforicamente) quando se está doente e se vive em Coimbra, em simultâneo. Os hospitais públicos são muito bons (Hospitais da Universidade de Coimbra, Centro Hospitalar de Coimbra, Instituto Português de Oncologia), a densidade per capita de médicos é a mais elevada do país (or so it seems), o ensino na área da saúde é de qualidade e a investigação médica não se afasta muito dos padrões médios de um país civilizado.
Para além disso, o melhor centro de saúde do país (de acordo com o ranking da DECO-Proteste) é de Coimbra: o Centro de Saúde de Norton de Matos. O Centro de Saúde de Celas é o quarto melhor do país. A “medicina de proximidade” é reconhecidamente eficaz na cidade. São os utentes dos centros de saúde quem o afirma.
Quando alguma coisa parece ser perfeita é porque realmente não o é – mas a perfeição, obviamente, não importa assim tanto. A relevância de todos os indicadores encontra-se no facto de que a “saúde”, em Coimbra, não é um acontecimento epocal mas uma característica estrutural do espírito da cidade.
(11/12, no Jornal de Notícias)
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