Passeio Público
(O apocalipse)
A gripe chegou finalmente a Portugal. Assistimos, impassíveis, a longos dias de frondosa balbúrdia, que manietou, como se fosse carcereira antiga, jornais e televisões nacionais, esventrados por “suspeitas”, “conjecturas” e “suposições” relativas a uma doença que, rapidamente, se tornou na metáfora pandémica do apocalipse. A gripe, que já foi “suína” e “mexicana”, e que agora ostenta um nome quase saído da notação do xadrez, alcançou Portugal, e apesar do alarido inicial, apresentou-se na forma de “doença perigosa e mortal" mas... sem consequências. O caso diagnosticado foi “benigno”, não necessitou tão-pouco de intervenção terapêutica – conforme, aliás, os casos até agora diagnosticados na Europa. Procuram-se tanto os fantasmas que, um dia, eles revelam-se (sendo, aliás, outra coisa qualquer).
Aparentemente, podemos contar com uma boa resposta do sistema de saúde a uma ameaça deste género. A ministra da Saúde, Ana Jorge, tem transmitido contenção e serenidade, de uma forma que eu julgaria impossível nesta conjuntura movediça.
Os hospitais de São João (Porto), da Universidade de Coimbra, de Curry Cabral e de D. Estefânia (Lisboa) são as muralhas de aço da Direcção-Geral de Saúde, com mandato para distanciar de nós o cálice do fracasso. As cinco regiões de saúde do país seleccionaram, nos últimos dias, os centros de saúde que vão funcionar como Serviços de Atendimento da Gripe. Portugal teria até a capacidade de produzir vacinas antigripais se a fábrica (da Medinfar) de Condeixa-a-Nova, no distrito de Coimbra, apregoada com pompa em 2006 por três ministros, tivesse abandonado a quietude romanesca do papel. Nem tudo pode ser perfeito.
Entrementes, a Organização Mundial de Saúde anunciou a desaceleração da incidência (i.e., do aparecimento de novos casos) da gripe H1N1. O abismo ainda não é uma certeza a despedaçar-nos o corpo, estamos ainda longe desse estrondo final. O apocalipse, oferecido ao mundo em “prime-time”, talvez tenha que esperar por uma nova oportunidade para ser feliz.
(Ontem, 06/05, no Jornal de Notícias)
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