Passeio Público
(Leve-leve)
Não sei exactamente quantas são as cidades que levam o nome de Coimbra; suponho que seja um assunto pouco interessante, escassamente estudado e de relevância dúbia, mas é óbvio que posso estar enganado (não seria a primeira vez) e, nesse caso, apresento desde já as minhas mais sinceras desculpas. Que eu saiba, para além da Coimbra original e primeira, subjugando de perto o Mondego, existe ainda uma cidade brasileira homónima em Minas Gerais, e um Forte Coimbra, no Mato Grosso do Sul, também no Brasil.
É claro que um nome não é mais que a memória de uma existência. Um nome é, como escreveu Pirandello, um "epitáfio fúnebre" e todo (ou quase todo) o epitáfio se escreve num tom memorialístico e, portanto, impressionado com o passado e não com o futuro. Um dia as pessoas hão-de entender que são elas que fazem as cidades, que lhes inspiram a silhueta e lhes vincam as formas; e que os nomes das cidades (e as suas pedras, monumentos e ruas) são apenas o palco de uma dramaturgia que persiste para além deles.
Cada pessoa é uma cidade. Ou melhor, em cada pessoa há uma cidade. Possivelmente, uma cidade íntima e privada – mas definível e redutível a um espaço conhecido e localizável. É, por isso, possível recapitular Coimbra em sítios tão inusitados e remotos como São Tomé e Príncipe.
As ilhas são pequenas e os encontros fáceis. Sem qualquer combinação prévia, por uma casualidade que é difícil explicar sem recorrer à crendice mais rasteira, encontrei-me recentemente em São Tomé com um número expressivo de conimbricenses, não menos que metade dos cerca de 50 hóspedes de um conhecido hotel da ilha. O estudante de Engenharia Civil e a médica ortopedista, a inspectora da Segurança Social ou reformado da Administração Pública: uma recriação do microcosmos da cidade em latitudes equatoriais.
Quase todos, por diferentes fundamentos e motivos, se afastaram fisicamente de Coimbra. O ritmo junto ao Mondego é vagaroso, “leve-leve”, como naquelas ilhas que adoptaram o “Equador” de Miguel Sousa Tavares como livro nacional, e as pessoas têm que partir e fazer pela vida noutros lugares. Não obstante, a cidade renova incessantemente a sua sombra – e é difícil escapar-lhe. Sobretudo a 5000kms de distância.
(Ontem, 10/12, no Jornal de Notícias)
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