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24.1.08

Passeio público

Hoje, 24/01, no Jornal de Notícias

[Café Central]

Passou algum tempo até que eu apreendesse definitivamente, e da forma mais trágica, uma das ideias capitais enunciadas por George Steiner no pequeno livro “A ideia de Europa” (que é a condensação escrita de uma conferência no Nexus Institute em Tilburg, Holanda): “a Europa é feita de cafetarias, de cafés”. Estes, desde “A Brasileira” do Chiado e de Fernando Pessoa aos cafés da ucraniana Odessa frequentados pelos bandidos de Isaac Babel, definem-na e mapeiam-na. Forjam e circunscrevem o endoesqueleto de uma certa percepção do que é, ou pode ser, a Europa.

É uma concepção à escala do humano, do sentido corpóreo das cidades ou das aldeias. Um café é um local de afectos porque geralmente nele permanecemos até ser ultrapassado o limiar do desconhecimento (de quem e do que nos rodeia) ou porque os amigos rematam a companhia fiel dos balcões e das mesas. É um sítio de reconhecimentos, de relembranças e memória; uma espécie de congregação laica, onde interesses e conveniências símiles se agregam em volta das mesas, da bica e das conversas.

Foi tudo isto que me inundou a memória de reminiscências sinistras quando, ao passear na Rua Ferreira Borges, percebi que o Café Central deixara de existir. Mais um. De mansinho, num murmúrio, a Baixa vai perdendo os seus cafés emblemáticos, simbólicos. Aliás, por toda a cidade vêm encerrando alguns cafés que, no seu conjunto, entreteciam uma certa alegoria do que é (ou era) Coimbra. Por eles perpassava uma parte importante da história da cidade. Não é possível desprezar os seus nomes nesta fuga derradeira ao esquecimento: Arcádia, Internacional, Mandarim, A Brasileira, Moçambique e até o OAF.

É claro que o lento eclipse dos cafés na Baixa é apenas um presságio de um infortúnio maior. No velho centro de comércio mal se reconhece o pulsar da vida. Nas ruas estreitas, no silêncio profundo dos prédios desbotados, a existência é quase uma sombra, uma fantasia projectada nos olhos dos poucos habitantes que desrespeitam o fim anunciado. O desaparecimento é sempre um fado menor, mesmo para quem resiste perante a certeza da muralha caída. Mas é um destino, afinal.

Um destino de ruínas cinematográficas, à mercê de dispositivos de vigilância, filmado meticulosamente. Talvez as câmaras de vigilância que hão-de ser instaladas na Baixa, avatares tecnológicos de derivas securitárias de antanho, sejam apenas as testemunhas de uma morte serena em que o passado é reduzido à condição de ficheiro de vídeo.

Resta o espaço memorialístico como contraponto ao desaparecimento dos cafés, das barbearias centenárias, das lojas. E as histórias que nos vinculam ao passado e nos definem a existência.

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