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17.1.08

Passeio Público

Ontem, 16/01, no Jornal de Notícias
Escrevo a partir da “província”, como se dizia antigamente, quando o país rescendia a mofo e trajava de negro. Os termos “província” e “provinciano” são interessantes porque traduzem múltiplos sentidos. Na sua polissemia destaca-se, para além da acepção geográfica e territorial, uma certa ideia de paisagem anacrónica e tradicional ou de português de casta grosseira, de mundividência limitada e baixa extracção cultural.

Fernando Pessoa, em “O provincianismo português” identificou perfeitamente os estigmas peculiares desse feitio tão marcadamente nosso. O provincianismo, mais do que a condição geográfica de “pertencer à província”, supõe uma atitude mental de êxtase e postura acrítica perante a novidade, o progresso e a civilização. E a falta de ironia. O poeta objectou ao provincianismo uma terapêutica única: “saber que ele existe”.

Se é verdade que o fundamento de que qualquer cura se vincula à consciência de que existe uma doença, então as declarações de Gomes Canotilho (Jornal de Notícias, 08/01/2008), que aludem a um suposto provincianismo da Universidade de Coimbra (UC), revelam-se como um importante episódio de auto-consciencialização de uma universidade que carrega o peso de setecentos anos de história (como uma mercê e um frete, em concomitância).

O constitucionalista e professor da Faculdade de Direito tentou ainda amansar as próprias palavras, contextualizando-as: a UC é provinciana porque cativa, cada vez mais, alunos da zona Centro, em detrimento das outras regiões do país. O provincianismo é geográfico, portanto. Nem sequer isso, como assevera João Gabriel Silva, presidente do Conselho Directivo da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UC. Coimbra é, incontestavelmente, a menos regional das grandes universidades portuguesas. Os dados assim o indicam.

Não obstante, a questão mantém-se (e não deve ser esquecida): a UC é, ou não, uma escola provinciana? Paroquial? Medíocre e de vistas estreitas? A resposta é, ainda, negativa. Pelo menos se avaliarmos o substrato de excelência que toca e poliniza diversas arenas de conhecimento na mais antiga universidade do país. Apesar dos reiterados constrangimentos orçamentais, da redução do número de alunos em alguns cursos e da diminuição do espectro geográfico de recrutamento de estudantes, a excelência da UC pode ser aferida pela posição privilegiada que a instituição ocupa em classificações internacionais relevantes sobre universidades (e centros de investigação) e que a colocam invariavelmente em primeiro lugar de entre as universidades portuguesas.

A UC, para se projectar definitivamente no futuro, não pode ter medo de se criticar e reprovar, de inventariar os seus próprios defeitos. Assim, apercebo nas declarações de Gomes Canotilho um brado mobilizador de consciências adormecidas pela complacência da “vidinha” universitária, não um jugo de vergonhas íntimas e auto-flagelação.

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