Passeio Público
Ontem, 19/12, no Jornal de Notícias
Desenganem-se os crentes mais devotos de Isabel de Aragão, a Rainha Santa. Esta crónica não é sobre os sucessos miraculosos com que a piedosa esposa de Dom Dinis coloriu uma fracção importante da Idade Média conimbricense. Não é, pois, uma reflexão sobre o modo como o pão tomou a forma da rosa e de como, com tão ousado feito, se acautelou a mercê caridosa da Rainha Santa Isabel. Desfeita a eventual confusão, invocarei as palavras possíveis de forma a elucidar o curioso leitor do inaudito milagre a que alude o título deste texto.
Não há muito tempo (Jornal de Notícias, 09/07/2007) avaliei e, de certa forma, julguei a política cultural da Câmara Municipal de Coimbra (CMC). O meu juízo, de modo algum imerecido, não foi favorável: deparei-me então com um executivo despreocupado e arredio, esquecido dos movimentos culturais que animam a cidade. Na realidade, para além de uma postura municipal que cursa de forma apática entre o árido filistinismo e a singeleza folclorista, releva-se, sobretudo, a absoluta inexistência de uma política cultural sustentada e o desinvestimento progressivo na área da cultura.
Não é preciso ser-se um génio da matemática para aferir o que é manifesto: desde 2004 que o orçamento municipal para o pelouro da cultura decresce de forma dramática. Em apenas três anos, a dotação orçamental para a cultura da CMC diminuiu de 13 milhões para pouco menos de 2 milhões de euros (orçamento para o ano de 2008). Dito isto, através da crueza dos números, fica a sensação que unicamente ilusionismos e ardis miraculosos poderão defender e animar a extenuada dinâmica cultural da cidade.
É neste momento que volto ao milagre de Isabel de Aragão. Ou melhor, é neste momento que desvelo a identidade de uma “milagrosa Rainha Santa” alternativa: Mário Nunes, o vereador da cultura da CMC. A designação é auto-identitária, foi o próprio vereador que assumiu recentemente a sua sobrenatural qualidade de “fazedor de milagres”. Com tão pouco dinheiro reservado à cultura, só mesmo um milagre (aliás, vários) de Nunes poderá catalizar definitivamente os projectos culturais que sobrevivem nutrindo-se do humilde bolo orçamental da Câmara Municipal de Coimbra que lhes é destinado.
É claro que Mário Nunes não está totalmente insatisfeito com os recursos que foram aditados ao seu pelouro. De acordo com o próprio, o orçamento para a cultura em 2008 é suficiente para que os seus projectos (“Estão contempladas as rubricas principais que eu queria”; Jornal de Notícias, 11/12/2007) conheçam um bom termo. Quem conhece as políticas do actual vereador da cultura da CMC sabe quais os projectos aludidos. Não há-de malograr-se o financiamento aos ranchos folclóricos e às bandas filarmónicas. Ainda bem, digo eu. Mas… E os outros?
Quanto às restantes instituições culturais da cidade, do Teatro Académico de Gil Vicente à Escola da Noite (e tantas outras), podem e devem dirigir as suas preces à Rainha Santa, à autêntica e verdadeira. Mas que não esperem milagres. Esses são só para alguns.
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